VITRINE

28/02/2013 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:05am

O que era um solo ácido e pobre em nutrientes se tornou, em pouco tempo, referência mundial de integração da lavoura, pecuária e preservação ambiental. Com a adoção de técnicas simples, a fazenda Santa Brígida, na pequena Ipameri (GO), conseguiu elevar a produtividade e, ao mesmo tempo, preservar áreas de florestas nativas do cerrado. Nesse mesmo cenário, fileiras de eucalipto dão sombra aos animais e protegem fontes de água.

Com ganhos expressivos e parcerias acertadas entre pesquisadores da região, a propriedade se tornou a principal vitrine no país da chamada agricultura verde ou sustentável. Desde 2007, a fazenda tem sido alvo da frequente visitação de autoridades nacionais e estrangeiras e de técnicos de várias partes do mundo, interessados em replicar a experiência para outros lugares. O local apresenta aos olhos amplas e exuberantes plantações de soja e milho, associadas a gramas de pasto, e um Rebanho saudável e calmo.

"Estamos fazendo aqui uma segunda revolução na agricultura brasileira, após a primeira iniciada com a abertura da fronteira agrícola do oeste, nos anos 1970", conta orgulhoso João Kluthcouski, mais conhecido como João K. O pesquisador paulista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), nascido em uma família ucraniana, é o mentor das reviravoltas operadas em Santa Brígida, que antes eram alvo de piadas dos fazendeiros vizinhos e que agora serve de inspiração para eles.

Sua receita para reduzir custos com manejo de bovinos e fertilizantes do solo, além de aproveitar períodos de entressafra para tocar negócios paralelos, é de uma simplicidade constrangedora. Com a integração de atividades antes consideradas rivais, além do plantio direto, quando a palha pós-colheita cobre o solo enquanto outra espécie é semeada, pastos são regenerados, ganham adubos naturais e os animais ganham peso até mesmo na fase mais aguda da seca, em setembro.

Ervas daninhas
Grandes volumes de matéria orgânica deixados sobre o solo engendraram novos ciclos que impedem naturalmente o surgimento de plantas daninhas, doenças e erosão por chuva e vento. O uso de herbicidas é, por consequência, mínimo, e a qualidade final é próxima da agricultura orgânica, o que reduz substancialmente custos de produção e abre oportunidades para mercados mais exigentes. Essa combinação de rentabilidade crescente com agressões mínimas ao meio ambiente despertou a curiosidade de empresários rurais, investidores, banqueiros e ecologistas.

Na fazenda, distante 190 quilômetros de Goiânia e a 220 de Brasília, o manejo sustentável garante eficiência nos 12 meses do ano. São duas safras e uma safrinha de grãos por ano, e uma de pastos. O lucro com a soja chega a R$ 5 mil por hectare, ante uma média nacional de R$ 1,5 mil. O custo para a criação de gado de corte é de R$ 35 por arroba (quinze quilos), menos da metade do comum.

Mas essa realidade era bem diferente. Em 2002, a proprietária, a dentista Marize Porto Costa, que reside em Campinas (SP), chegou a avaliar os conselhos para vender seus 960 hectares, logo após ter ficado viúva. Além de desconhecer a rotina dos negócios rurais, teria de investir pesado na melhoria dos campos, repletos de cupins e com baixíssimo retorno para o plantio e a criação.

Foi com ousadia e ajuda profissional que ela conseguiu virar o jogo. Fazendeira por força das circunstâncias e hoje empresária rural respeitada, Marize buscou em 2005 orientação na sede da Embrapa Feijão e Arroz, na capital goiana. Lá, o chefe da divisão, Homero Aidar, morto em 2011, ouviu as queixas dela e lhe apresentou uma proposta de trabalho resumida na sigla ILP, de integração lavoura-pecuária. Aidar apresentou Marize a João K, que acabou abraçando Santa Brígida como um amplo laboratório para testar soluções novas e como um campo para confirmar conhecimentos acumulados há décadas.

"Provamos no dia a dia que o Brasil tem toda condição de dobrar sua produção agrícola, se todos os produtores rurais tivessem a mesma cultura de eficiência, deixando velhos mitos para trás", observa. Na avaliação de João K, o modelo Santa Brígida pode ser adotado em qualquer região do país, sem importar o tipo de solo ou de clima, começando pelos 100 milhões de hectares de pastos degradados. No escritório da sede da fazenda, o retrato de Aidar serve de homenagem.

Inspiração
Santa Brígida também se tornou um dos principais pontos de romaria de autoridades e pesquisadores do setor agrícola, interessados em conhecer os números elevados de produtividade obtidos na propriedade. Técnicos do Ministério da Agricultura (Mapa) e de empresas estaduais de assistência técnica rural têm usado a propriedade como base para treinamento de líderes de agricultores, dentro do Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que incentiva a sua aplicação nos estados. Santa Brígida foi a primeira fazenda a obter linha de financiamento por meio do Programa ABC, em julho de 2011.

Segundo Anábio Ribeiro, gerente da fazenda, que atuava até 2009 como executivo no comércio de defensivos agrícolas, o ABC garantiu acesso a taxa de juros mais baixa para reforçar com novas máquinas e animais o modelo agropastoril, que preenche metade da extensão da fazenda. "Os bois e as vacas, que estão no regime semi-aberto, engordam 1,3 quilo por dia, em média", ilustra. Para ele, o segredo do sucesso da empresa rural onde trabalha está na capacitação e envolvimento dos recursos humanos com a filosofia e as metas propostas. Atualmente, Santa Brígida tem 16 funcionários, sem incluir quatro conselheiros técnicos da Embrapa.

Os primórdios do modelo patenteado por João K como Sistema Santa Brígida estão nas experiências de plantio consorciado de arroz e capim usado pelos pecuaristas para abrir pastagens na fase inicial da ocupação do cerrado, nos anos 1980. O pesquisador contribuiu com esse avanço ao desenvolver o sistema Barreirão, nome da fazenda no município goiano de Professor Jamil. A prática da integração entre lavoura e pecuária, com recuperação de pastagens, ganhou na década seguinte a Fazenda Santa Fé, em Santa Helena de Goiás (GO), incluindo milho associado a capim, em preparação para o feijão.

"Essas conquistas deixaram claro que chamar o Brasil de celeiro do mundo não é apenas um chavão. Só depende de arregaçar as mangas. Infelizmente, boa parte dos produtores ainda preserva a velha mentalidade extrativista, sem valorizar o verdadeiro empreendedorismo", filosofa o palestrante internacional e autor de vários livros.

Feno tropical
A próxima novidade a sair das cercas da Fazenda Santa Brígida, em Ipameri (GO), para servir de modelo ao mundo, é o feno tropical. A iniciativa inédita, coordenada pelo pesquisador João Kluthcouski, da Embrapa Arroz e Feijão, busca criar uma alternativa para alimentar o gado nos períodos de seca e inverno. A solução praticamente elimina a vantagem que os países do Hemisfério Norte têm com silos de feno, com ampla conservação. O feno tropical, um consórcio de pesquisa formado pela Embrapa e a iniciativa privada, e testada na fazenda goiana, deve estrear oficialmente em 2014, com uma mistura de alfafa, braquiária e aveia. "Trata-se de uma solução mais barata e prática que a silagem de cana, por exemplo", defende Kluthcouski.