Recuperação

01/06/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 8:48am

Uma técnica revolucionária que une estimulação neuronal e reabilitação com auxílio de uma espécie de vestimenta cibernética permitiu que ratos que perderam os movimentos das patas por causa de lesões graves na medula voltassem a andar e até correr em pouco tempo, em uma nova esperança para pessoas com paralisia. O experimento mostrou que a parte lesionada da espinha pode se recuperar quando sua inteligência e capacidade regenerativa inatas são ativadas, em um tipo de "cérebro espinhal", como definiu Grégoire Courtine, da Escola Politécnica Federal de Lausane (EPFL), na Suíça, e principal autor de artigo sobre o método, publicado na edição de hoje da revista "Science".

– Esta é a Copa da Mundo da neurorreabilitação – comemorou Courtine. – Nossos ratos viraram atletas quando poucos semanas antes estavam completamente paralisados. Estou falando de cerca de 100% de recuperação dos movimentos voluntários.

Neuroplasticidade dormente

O estudo, iniciado há cinco anos na Universidade de Zurique, pode levar a uma mudança profunda na maneira como a ciência entende o funcionamento do sistema nervoso central. Sabe-se que o cérebro e a medula podem se adaptar e se recuperar de lesões moderadas, uma capacidade chamada de neuroplasticidade. Até agora, porém, a espinha havia demonstrado pouca plasticidade após sofrer lesões severas, impossibilitando sua regeneração. A pesquisa de Courtine, no entanto, provou que sob determinadas condições a recuperação é possível nestes casos, mas apenas se as capacidades "dormentes" da medula forem despertadas.

Para isso, Courtine e sua equipe injetaram nos ratos uma solução contendo antagonistas de monoaminas – uma família de neurotransmissores que inclui a norepinefrina, a serotonina e a dopamina. Estas substâncias provocam respostas dos neurônios ao se ligarem aos receptores dos neurotransmissores nestas células. O coquetel químico, então, substitui os neurotransmissores normalmente liberados pelos processos cerebrais de indivíduos saudáveis, preparando os neurônios para coordenarem o movimento dos membros quando necessário. Cinco a dez minutos após as injeções, os pesquisadores estimularam eletricamente a medula com eletrodos implantados na superfície do canal espinhal, conhecida como espaço epidural.

– Depois de algumas semanas de neurorreabilitação com uma combinação de um suporte robótico e estimulação eletroquímica, nossos ratos não só começaram a andar voluntariamente como rapidamente estavam correndo, subindo escadas e desviando de obstáculos – contou Courtine.

Em um artigo anterior, publicado na revista "Nature Neuroscience" em 2009, Courtine já havia relatado que, quando estimuladas, as medulas de ratos totalmente isoladas do cérebro por lesões desenvolviam-se de maneira surpreendente, assumindo as funções de modular o movimento das patas quando os animais eram colocados sobre uma esteira. O andar, no entanto, era involuntário, com o rolar da esteira provocando uma resposta sensorial, que fazia o "cérebro espinhal" tomar o controle do processo sem a necessidade de ordens diretas do cérebro dos animais. Isso fez os pesquisadores especularem se bastaria apenas um sinal fraco do cérebro para que a movimentação fosse iniciada por vontade própria dos ratos.

Para testar essa hipótese, no novo experimento Courtine substituiu a esteira por um sistema robótico que sustentava os ratos e só entrava em ação se e quando os animais perdiam o equilíbrio, dando a eles a impressão de terem uma medula saudável. Isso encorajou os ratos a decidirem cruzar uma plataforma para alcançar uma isca de chocolate.

– Este treinamento da vontade traduziu-se em uma quadruplicação do número de fibras nervosas entre o cérebro e a espinha, um crescimento que prova o tremendo potencial da neuroplasticidade mesmo após lesões severas no sistema nervoso central – disse Janine Heutschi, que também contribuiu para a pesquisa.

Desenvolvimento como na infância

Courtine batizou este crescimento de "nova ontogenia", um tipo de duplicação do que acontece durante a fase de desenvolvimento de uma criança. Os pesquisadores descobriram que as novas fibras nervosas formaram um atalho em volta da lesão original na medula, permitindo que os sinais do cérebro alcançassem a espinha despertada pelo processo eletroquímico. Além disso, estes sinais eram fortes o suficientes para que os ratos começassem a se mover em direção à isca sobre uma superfície fixa, e não uma esteira, suportando todo o próprio peso nas suas patas, o que significa que andar era voluntário.

A princípio, a reação da medula espinhal dos ratos ao tratamento dá aos pesquisadores razões para acreditarem que pessoas com o mesmo tipo de lesão possam se beneficiar do processo. Courtine pretende começar testes clínicos com humanos em um prazo de um a dois anos, período no qual pesquisadores da EPFL, em conjunto com o projeto NeuWalk, que recebeu 9 milhões de euros em financiamento, esperam desenvolver um sistema de próteses robóticas neuronais similar ao implantado nos ratos para uso em seres humanos.