Primatas

11/01/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:01am

Há milhões de anos, uma ramificação na árvore da vida começou a moldar a evolução animal. A ordem dos primatas diversificou-se em famílias, gêneros e espécies, o que culminaria na divisão entre o homem e seus primos próximos, como chimpanzés e gorilas. Os primeiros hominídeos enfrentariam ainda um longo e difícil caminho, marcado por períodos de fome que ameaçaram sua existência e, consequentemente, o surgimento do Homo sapiens. Como eles conseguiram sobreviver a esse obstáculo sempre foi um mistério da ciência, que começa a ser desvendado por meio do estudo da fisiologia dos orangotangos.

Por cinco anos, a equipe do antropólogo evolucionista Nathaniel Dominy, professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos, investigou como esses primatas da Ilha de Bornéu lutam pela sobrevivência, ameaçados pela caça ilegal e por um solo esgotado devido à agricultura predatória. De acordo com um estudo publicado por Dominy na revista especializada Biology Letters, na floresta indonésia, a abundância ocorre a cada quatro anos, quando as árvores costumam dar frutos em excesso. Nessas ocasiões, os orangotangos, tais como ursos que hibernam, precisam saber estocar gordura suficiente para sobreviver aos anos seguintes, de escassez de alimentos.

Com um hábitat devastado e fugindo de predadores mais fortes do que eles, os orangotangos de Bornéu mostraram-se um modelo ideal para estudar o que teria ocorrido com os primeiros hominídeos, que dividiram o ambiente com grandes feras do Pleistoceno e passaram por situações muito estressantes. “Descobrimos que os orangotangos de Bornéu estavam à beira da inanição. Como enfrentaram uma grave escassez de frutas, eles começaram a comer alimentos de baixa qualidade, como folhas e cascas, que mal dão conta de suas necessidades proteicas básicas”, conta Dominy.

Durante o período de pesquisa, os cientistas se concentraram no mecanismo adaptativo do metabolismo desses animais, principalmente nos momentos de fome extrema. Ficou nas mãos da antropóloga Erin Vogel, coautora do estudo, coletar e analisar amostras de urina dos orangotangos, para detectar que substâncias eram excretadas. “Quando a ingestão calórica diminuía abaixo do gasto energético total, detectamos cetonas na urina, indicando que eles estavam queimando a gordura armazenada”, conta. “Uma vez que a gordura corporal esgota-se, a próxima etapa é consumir tecido muscular, para obter proteína e energia. Isótopos de nitrogênio elevados na urina indicaram que as células musculares estavam sendo utilizadas para obter energia, e foi assim que eles conseguiram se manter vivos”, diz a antropóloga.

De acordo com Vogel, isso é sinal de que, para orangotangos, o que conta é a quantidade de caloria ingerida, e não a fonte dessa energia, seja ela obtida pelo consumo de carboidratos, proteínas ou gorduras. “Quando faltam frutos na floresta, os orangotangos consomem uma quantidade de proteína considerada inadequada para os seres humanos, correspondente apenas a um décimo do que ingerem os gorilas das montanhas. Mas, ainda assim, seu metabolismo se adapta de forma a evitar um deficit proteico grave”, diz.

Dentes
Nathaniel Dominy conta que, comparando-se aos humanos, os ancestrais comuns ao Homo sapiens e aos demais primatas possuíam dentes muito mais semelhantes aos dos orangotangos. Ele explica que essa característica está intimamente ligada à dieta dos animais. “Se entendermos as propriedades físicas de seus alimentos, podemos ter alguma ideia do motivo que levou os primeiros seres humanos a terem dentes como os nossos”, diz, na pesquisa. Os molares maiores e os maxilares mais robustos dos orangotangos são uma resposta à alimentação irregular — segundo ele, mesmo quando não havia agricultura em Bornéu, há 400 mil anos, as florestas já passavam por situações extremas.

Dominy e Vogel lembram que estudos recentes mostraram que o padrão de desgaste do dente molar dos primeiros hominídeos sugerem que eles também passaram por períodos desafiantes na questão alimentar — nem tanto, porém, quanto os orangotangos — e, provavelmente, seu metabolismo precisou se adaptar para garantir a sobrevivência. De acordo com o estudo, diferentemente dos primatas de Bornéu, os hominídeos ancestrais não devem ter chegado ao ponto de se alimentar apenas de cascas e sementes com frequência. “Mas não é o que eles comiam regularmente que importa.

É o que comiam durante tempos difíceis. Como frequentemente os orangotangos passam por períodos assim, eles podem ser um bom modelo para o que ocorreu com nossos ancestrais”, diz o estudo.