Poluição

26/06/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 8:48am

Ao mesmo tempo em que o Brasil está no centro das discussões ambientais por ter sido a sede da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), sua fauna oceânica sofre com o alto índice de contaminação por poluentes no litoral das regiões Sul e Sudeste. Albatrozes, petréis, golfinhos, orcas, atobás-marrons, atuns, lulas e uma variedade de peixes estão entre os animais prejudicados, atingidos principalmente pelo pesticida DDT e por bifenilos policlorados (PCBs). A constatação é feita por pelo menos três estudos conduzidos por oceanógrafos brasileiros com espécies e em regiões distintas. Nas análises, realizadas por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), 100% dos animais avaliados apresentaram algum nível de intoxicação.

A ação de tais poluentes pode ser a causa de vários problemas, como o aumento da mortalidade e a diminuição do sucesso reprodutivo, que afetam as populações de cetáceos (animais marinhos pertencentes à classe dos mamíferos) e procellariiformes (ordem de Aves que habitam o oceano aberto). Alguns efeitos adversos foram constatados em golfinhos e mergulhões, mas ainda são poucos os estudos que se debruçam sobre as possíveis consequências causadas por esses compostos. Uma coisa, entretanto, é certa: sua presença na fauna marinha é um importante indicador da poluição ambiental.

O PCB e o DDT são exemplos de poluentes orgânicos persistentes (POPs), que possuem grande estabilidade química. "A partir do momento em que entram no ambiente, eles sofrem pouca degradação, podendo persistir no local por décadas", explica o biólogo José Lailson Brito, da Uerj. Os PCBs tiveram a produção proibida no Brasil na década de 1970. A substância, semelhante a um óleo e resistente a altas temperaturas, era utilizada por indústrias para o resfriamento de máquinas. Segundo a bióloga Larissa Cunha, também da Uerj, mesmo assim o composto é encontrado nos oceanos, possivelmente pelo descarte em locais inadequados e pela falta de controle do governo em acompanhar se realmente as indústrias incineraram os resíduos de forma correta. Já o DDT é um inseticida que foi amplamente utilizado na agricultura e no controle de vetores de enfermidades, como a malária. Hoje, pode ser usado em casos emergenciais de Saúde Pública.

Cadeia

Os dois poluentes chegam ao organismo dos animais, principalmente, pela alimentação. Como uma das características principais dos POPs é sua magnificação, ou seja, sua multiplicação ao longo da cadeia alimentar, as espécies maiores apresentam níveis de concentração mais altos. É o caso de golfinhos, albatrozes e atobás. Larissa Cunha, que verificou o fenômeno no atobá-marrom, explica como a multiplicação ocorre: "Um plâncton absorve o composto na água. O peixe se alimenta do plâncton contaminado. O atobá, por sua vez, se alimenta do peixe e acumula as concentrações de poluentes dos dois seres. Dessa forma, em seu organismo, ele terá níveis maiores do que os do peixe, que, por sua vez, possui níveis mais altos que os dos plânctons".

Brito alerta que a contaminação dos animais de topo de cadeia indica que todo o ecossistema está afetado. Segundo ele, os índices de PCB detectados nos golfinhos da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, estão entre os mais altos do mundo, sendo comparáveis aos relatados em cetáceos de regiões altamente industrializadas do Hemisfério Norte. Em 1998, existiam 80 golfinhos na baía, hoje esse número caiu para, aproximadamente, 36. Nesse ritmo, até 2050, o animal poderá ter desaparecido do local, sendo as principais causas da diminuição populacional a poluição e a captura incidental por pesca.

O resultado da alta concentração de poluentes nos golfinhos da Baía de Guanabara levou o biólogo a realizar também estudos com peixes da região que fazem parte da dieta humana. "Todos eles estavam contaminados, apesar de em níveis de concentração dentro do limite aceito pela OMS para consumo humano. Entretanto, verificamos pequenas concentrações de vários poluentes. Não sabemos qual é o efeito desse coquetel", pondera.

Em seu mais recente trabalho, o especialista investigou os níveis de compostos organoclorados (PCB, DDT e HCB) em seis espécies no estado do Rio de Janeiro. O pesquisador coletou dados tanto de animais que vivem perto do litoral, como o golfinho-nariz-de-garrafa e a baleia orca, quanto os que são encontrados somente em oceano aberto, como o golfinho-de-Fraser.

Para mensurar as concentrações dos poluentes, Brito utilizou amostras da gordura das espécies, onde os poluentes ficam concentrados. "O grande problema não está no armazenamento (dos compostos organoclorados), mas no momento em que o animal precisa utilizar essa gordura do corpo por algum motivo. Nesse momento, o poluente cai na corrente sanguínea, espalhando-se pelo corpo e baixando a imunidade, além de interferir em sua capacidade de reprodução", esclarece o biólogo. Antes de coletar as amostras dos golfinhos e orcas do estado do Rio, Lailson havia atestado o mesmo tipo de contaminação nas espécies do litoral de São Paulo e do Paraná.

Arquipélagos

Trabalho semelhante ao de Brito foi realizado por Larissa Cunha com o atobá-marrom, ave conhecida como mergulhão. No estudo, as concentrações de elementos tóxicos foram medidas em ovos coletados em três arquipélagos localizados a diferentes distâncias da costa brasileira – Abrolhos, ao sul da Bahia; São Pedro e São Paulo, próximo à Fernando de Noronha; e Ilhas Cagarras, a cerca de 5km ao sul de Ipanema, no Rio.

Apesar de todos os ovos amostrados estarem contaminados por PCB e DDT, Cunha explica que os valores médios de poluentes encontrados nos arquipélagos de Abrolhos e São Pedro e São Paulo foram bem mais baixos do que as concentrações medidas em Cagarras, cujo nível de PCB total está próximo dos limites considerados prejudiciais às Aves. "Além disso, nossas descobertas indicam que a colônia de atobá-marrom mais próxima da costa do Rio foi recentemente exposta ao DDT", acrescenta.

A diferença de concentração entre os pontos de coleta não é difícil de entender. Era esperado que nas regiões próximas a grandes cidades e polos industriais houvesse mais contaminação. Entretanto, Cunha explica que, mesmo em áreas afastadas, é possível encontrar os poluentes organoclorados, que se alastram pelo ambiente, principalmente, pela atmosfera.

Outro trabalho que chegou a conclusões muito parecidas foi desenvolvido pela pesquisadora da USP Fernanda Colabuono. Ao analisar 103 Aves oceânicas migratórias, mais especificadamente albatrozes e petréis, coletadas no litoral das regiões Sul e Sudeste, a cientista observou a presença dos mesmos contaminantes no tecido adiposo, no fígado e no músculo de todos os animais estudados. Em seu estudo, Colabuono acrescenta que PCBs e pesticidas foram detectados também em pellets e fragmentos plásticos encontrados no trato digestivo das Aves. Segundo ela, a ocorrência de poluentes orgânicos em plásticos evidencia a capacidade desses materiais em absorver e transportar os compostos e reforça seu potencial de fonte adicional de contaminação para os animais que os ingerem.