Pesquisa

02/06/2011 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:10am

Duas bactérias presentes no bolo alimentar de cabras brasileiras, da raça moxotó, podem ajudar na produção de etanol de 2ª geração

Duas bactérias presentes no bolo alimentar de cabras brasileiras, da raça moxotó, podem ajudar na produção de etanol de 2ª geração, produzido a partir do bagaço da cana de açúcar. É o que apostam os pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) que há um ano se debruçam em estudos sobre o tema. Uma das etapas mais importantes foi garantida no mês de abril de 2011, quando os cientistas sequenciaram o genoma das duas bactérias. O mapeamento levou apenas dez horas, tempo recorde no país, e foi o primeiro realizado no Centro de Genômica de Alto Desempenho do Distrito Federal (Genômica DF), inaugurado há um ano. Sem o equipamento, o trabalho levaria meses para ser realizado.

O sequenciamento vai permitir a descoberta das enzimas com maior potencial para serem usadas comercialmente. Elas servem para degradar a celulose encontrada no bagaço da cana-de-açúcar, que, ao passar por uma rodada de fermentação, gera glicose, condição para produzir o etanol de 2ª geração. "O bagaço muitas vezes não tem utilização. A nossa intenção é aumentar a produção e reduzir o custo", explica o professor Marcelo Valle de Sousa, do Instituto de Ciências Biológicas da UnB e coordenador do Núcleo de Genômica, Proteômica e Enzimologia de Fungos e Bactérias Anaeróbicas Lignocelulolíticos. "Foi um feito inédito no Brasil", comemorou o professor.

A fermentação é um processo que gera calor. Essas duas bactérias, chamadas de Morella thermoacetica e Clostridium thermocellum, são termoestáveis, ou seja, resistentes a altas temperaturas. Elas foram escolhidas para a caracterização porque são campeãs em produção de enzimas. Os pesquisadores ainda não comprovaram, mas acreditam que essas enzimas também não sofrem alteração em temperaturas elevadas. "Se nós conseguirmos fazer a produção dessas enzimas em grande escala, em parceria com empresas, ficaria mais barato produzir o etanol", justifica o pesquisador. "Um empresa dinamarquesa vende enzimas para o mesmo fim, mas o custo é alto", explica Marcelo.

A professora Eliane Noronha, do Instituto de Ciências Biológicas, que também faz parte do projeto, conta que o próximo passo da pesquisa será selecionar as enzimas com maior potencial para serem usadas comercialmente. "Todas as técnicas conhecidas até agora não são econômicas o suficiente para serem usadas na indústria", afirma.

Quando a enzima for descoberta, uma possível estratégia será incorporar o gene da bactéria em leveduras, fungos que já são usados na produção de etanol. "Assim o mesmo organismo poderia ser empregado nos dois processos, ou seja, na produção de etanol de 1ª e de 2ª gerações", explica. "Isso resultaria em um processo ainda mais econômico para as empresas", completa Eliane.

Além de degradar o bagaço de cana-de-açucar, as enzimas podem atuar em fibras de bananeiras, usadas também para a produção de etanol. Fármacos e cosméticos também podem ser produzidos. Servem, por exemplo, para amaciar tecidos e massa de pão, além de tratar papel, deixando-o branco. "As enzimas podem ser utilizadas em vários biomateriais que contém celulose. Podemos transformar o que é rejeito em utilidade", afirma Marcelo Valle.

CUSTO

Além dos professores da UnB, participam do estudo pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), da Embrapa Agroenergia e da Universidade Católica de Brasília (UCB), além de estudantes desde a iniciação científica até o pós-doutorado. O grupo foi contemplado com R$ 1,5 milhão do edital do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) e já recebeu R$ 500 mil.

Por enquanto, o dinheiro foi utilizado para pagar as bolsas dos estudantes, comprar equipamentos e reagentes importados. Pesquisador da UCB, que fará a parte de Bioinformática, vai organizar o banco de dados. A Embrapa entrará com as estratégias futuras para a produção em grande escala.