Pássaros

18/01/2011 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:24am

As habilidades de voo dos pássaros mais banais colocam no chinelo as melhores manobras de aviões, e especialistas do Laboratório de Voo da Universidade de Montana, em Missoula, são lembrados disso diariamente.

"Os pássaros conseguem fazer coisas espetaculares", disse Kenneth Dial, biólogo que fundou o laboratório em 1988, numa estação de campo próxima da Universidade de Montana. "Eles vão de 65 km/h a zero e pousam num galho que está se movendo, tudo isso em dois segundos. É inspirador".

Dial e Bret Tobalske, biólogo e diretor do laboratório, estão obcecados em tentar aproximar as habilidades de voo de humanos e pássaros. Num laboratório repleto de túneis de vento, câmeras de alta velocidade, lasers, equipamentos cirúrgicos e um dispositivo que cria nuvens de azeite, os dois e diversos alunos de pós-graduação tentam adivinhar os segredos do voo dos pássaros.

Num campo tranquilo, Dial, de 57 anos, com a cabeça raspada e um cavanhaque, se destaca por seu admirável zelo por compreender o voo dos pássaros. Ele já apresentou um programa de televisão sobre aventuras da observação de pássaros, e é tão apaixonado pelo voo que ele seu filho, Terry – também um biólogo -, estão planejando voar ao redor do mundo como piloto e co-piloto.

Os 28 anos que Dial passou estudando a morfologia funcional de todos os tipos de pássaros o levaram, no laboratório, a inúmeras ideias sobre ecologia, biodiversidade, projeto de aviões, aeroespaço e até mesmo paleontologia. Num recente artigo, Dial e o estudante de pós-graduação Brandon Jackson apresentaram uma inovadora ideia sobre como alguns dinossauros usavam seus protótipos de asas – um possível passo na evolução do voo. Eles basearam seu estudo na observação de filhotes de perus australianos com alguns dias de vida.

O laboratório, em Fort Missoula, era antigamente um estábulo para a Cavalaria dos Estados Unidos. O que o torna único como laboratório, porém, é sua localização – na imensidão do oeste de Montana, com águias-de-cabeça-branca, falcões peregrinos, cotovias, patos e outros pássaros selvagens nas montanhas e rios na soleira da porta.

Dial diz que algumas de suas observações mais importantes foram feitas olhando pássaros planando para capturar peixes, e em seguida correndo de volta ao laboratório com uma nova teoria para testar.

Após observar pica-paus no túnel de vento do laboratório, fosse voando ou "mergulhando" – planando como um míssil com as asas dobradas, um comportamento que nunca havia sido identificado nessa espécie -, Tobalske conseguiu enxergar o mesmo comportamento a algumas centenas de metros da porta, confirmando que não se tratava de um produto das condições de laboratório.

Algo fundamental para as percepções daqui é uma pequena sala escura com câmeras de vídeo de mil frames por segundo, desenvolvidas pelo exército para estudar balística, que desacelera ações de alta velocidade em alta resolução. Pássaros selvagens em voo são envoltos por uma névoa de azeite de oliva vaporizado, que é iluminada por um laser verde piscante operando em conjunto com a câmera. O sistema permite que os pesquisadores rastreiem o movimento do ar enevoado ao redor dos pássaros, mostrando onde eles geram forças de sustentação e arrasto. Isso levou à descoberta de um vórtice na ponta das asas dos pássaros, que ajuda na sustentação.

Os pássaros, abrangendo de delicados pombos a fortes corvos, têm sensores de cristal cirurgicamente implantados em regiões do corpo para medir as contrações musculares enquanto voam.

"O peitoral é o motor de 80 por cento do voo", afirmou Tobalske, o que explica por que essa é a maior parte da anatomia. "É assim que os pássaros geram uma força enorme e resistem à fadiga, e é por isso que alguns conseguem voar de um pólo ao outro" sem pausas.

Os pássaros também são colocados em túneis de vento e fotografados em alta velocidade, para que os pesquisadores possam ver em detalhes como eles fazem a 30 km/h ou mais. Eles também são vestidos com pequenas máscaras que medem o metabolismo.

Exames de tomografia são usados em pássaros para destrinchar a física do voo. Usando tecnologia desenvolvida na Universidade Brown, pesquisadores examinam os ossos dos pássaros e comparam isso aos raios-X tridimensionais captados durante o voo. Juntos, eles criam uma animação bastante real de um pássaro voando. "Isso gera uma combinação tridimensional do movimento", disse Ashley Heers, aluna de pós-graduação que está conduzindo o trabalho.

Tobalske disse que "essas ferramentas nos permitem enxergar coisas com que sempre sonhamos".

O laboratório recebeu verbas da Fundação Nacional de Ciência por 25 anos, e publicou dúzias de artigos.

"Essa tem sido uma área clássica de pesquisa desde Leonardo da Vinci", afirmou Richard Prum, professor de ornitologia, ecologia e biologia evolutiva em Yale. "A morfologia funcional está sendo deixada de lado em muitos lugares, mas elas é importante e esses pesquisadores estão fazendo um ótimo trabalho".

O trabalho do laboratório de Montana, segundo Prum, fez as pessoas perceberem a complexidade do voo e todas as coisas diferentes que ocorrem quando um pássaro voa. "Eles descobriram que o voo dos pássaros é como o boxe de Muhammad Ali, com 15 movimentos distintos", explicou ele.

Por exemplo, os pássaros batem as asas em uníssono no pico do curso ascendente durante a decolagem – esse é o ruído de um pombo decolando no parque – e giram as asas na descida para gerar força de sustentação. "As asas sugam o ar, como um ventilador", disse Tobalske, "e criam sob o pássaro um jato de ar de 16 km/h".

Os voadores mais assombrosos, na opinião de Tobaslke, são as cerca de nove mil espécies de beija-flores do mundo. Devido principalmente ao seu tamanho, eles dominaram o voo como nenhum outro pássaro. O beija-flor calíope pesa o equivalente a dois clipes de papel, e migra anualmente entre Canadá e México.

Na verdade, um dos grandes temas de pesquisa aqui é como a morfologia do pássaro influencia seu comportamento. Quanto menor o pássaro, por exemplo, mais ágil o voo – um cisne pode precisar de um espaço equivalente a dois campos de futebol para decolar e gerar sustentação, enquanto um beija-flor consegue subir como um helicóptero. "Seria como um Porsche que consegue realizar círculos ao redor de um semicírculo", afirmou Tobalske.

"Quanto menor o pássaro, mais viscoso é o ar", disse ele, o que explica em parte por que os beija-flores conseguem manobrar tão bem e por tanto tempo. Eles desenvolveram ossos da asa consideravelmente reduzidos, além de grandes peitorais que lhes permitem bater as asas 80 vezes por segundo. "Um beija-flor pode flutuar como um helicóptero por uma hora e meia, ininterruptamente", afirmou Tobalske. "Nenhum outro pássaro consegue isso". Como comparação, os pombos produzem um décimo desse número de movimentos.

Sensores implantados mostram que as asas do beija-flor batem tão rapidamente que o cérebro gera o sinal muscular para o movimento descendente enquanto a asa ainda está indo para cima.

Essas novas e profundas observações sobre o voo alado afetaram outros estudos. Quase como um aparte, o estudo dos pássaros – que são amplamente considerados como descendentes de alguns dinossauros – levou Dial a uma nova hipóteses.

O peru australiano com um dia de vida, segundo ele, pode se comportar como os antigos terópodas. Estes foram os primeiros dinossauros alados e cobertos de penas, que andavam principalmente sobre as pernas traseiras e eram incapazes de voar.

Pássaros de ninhos terrestres, como o peru australiano, são chamados de "precoces" – eles já chegam ao solo correndo assim que nascem, uma defesa crucial contra predadores. Um peru australiano com apenas um dia já consegue correr por uma parede de rocha ou uma árvore, uma habilidade que diminui à medida que o pássaro envelhece.

Uma chave para essa habilidade precoce é o bater de suas pequenas asas. Isso não é uma tentativa de voar, explicou Dial, mas de agir como o "spoiler" de um carro de corrida: manter o pássaro no solo, para que ele possa gerar mais força com os pés e escalar paredes íngremes. Dial chama isso de "corrida inclinada assistida por asas", e possui vídeos em alta velocidade de pássaros terrestres subindo paredes.

Quando os pássaros chegam ao topo da rocha e qualquer ameaça desapareceu, eles pulam ao solo usando as asas para desacelerar a descida; Dial acredita que o voo pode ter surgido a partir disso. "Essa forma de comportamento – independência, capacidade de locomoção, cuidados parentais e desenvolvimento – pode ser similar à história de vida dos terópodas", disse ele.

Prum classificou a ideia como intrigante. "Ele demonstrou que o fenômeno existe e é plausível", afirmou. "Mas existem outras alternativas plausíveis no campo".

Quanto aos pássaros ajudarem as técnicas de voo dos seres humanos, Dial acredita que o futuro do voo humano irá incorporar as incríveis habilidades de transmutação dos pássaros. "Os pássaros estão constantemente alterando sua forma, e fazem isso em diferentes níveis", disse ele.

"Um pássaro pode se parecer com um projétil, e dois milissegundos depois parecer uma asa delta", afirmou Dial. "Nós ainda temos muito a aprender sobre isso. Imagine um avião 747 recolhendo asas e cauda para se tornar uma bala".