Parasita

09/01/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:01am

Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descreveu o transcriptoma de três espécies importantes de Eimeria, o agente causador da coccidiose aviária – considerada a doença mais importante da produção avícola em todo o mundo. O transcriptoma é o conjunto de genes transcritos por uma célula, tecido ou estágio de desenvolvimento de um parasita.

O trabalho, liderado por Alda Madeira e Arthur Gruber, professores do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, teve seus resultados publicados na revista International Journal for Parasitology. O estudo teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular. O artigo integra resultados obtidos pelo grupo ao longo de quase dez anos de pesquisa, envolvendo diversos outros projetos.

Além da caracterização do transcriptoma, o artigo descreve todo o processo de sequenciamento genético, detalha o desenvolvimento da bioinformática aplicada ao estudo, oferece uma interpretação biológica dos dados e apresenta o Eimeria Transcript Database – um site que fornece acesso aberto a todos os dados de sequenciamento e análises comparativas realizadas. Segundo os autores, a plataforma representa o maior portal de informações gênicas de Eimeria.

Além de Madeira e Gruber, participaram do artigo Jeniffer Novaes, Luiz Thibério Rangel, Milene Ferro, Alessandra Manha e Joana de Mello – todos do Departamento de Parasitologia do ICB-USP – e Ricardo Abe, Leonardo Varuzza e Alan Durham, do Departamento de Ciências da Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP.

De acordo com Gruber, embora existam drogas e vacinas contra a coccidiose aviária, a doença – que existe nas granjas de todos os países, sem exceção – causa prejuízos diretos à criação avícola e gera custos indiretos associados à sua prevenção.

Segundo ele, existem atualmente dois caminhos para as medidas de controle da coccidiose: o desenvolvimento de novas drogas mais seguras e específicas e o desenvolvimento de uma nova geração de vacinas, baseadas no uso de antígenos definidos.

“A indústria farmacêutica não lança uma nova droga anticoccidiana há mais de 15 anos. A elucidação das proteínas que compõem os parasitas e suas possíveis funções em seu ciclo de vida pode dar subsídios para o desenvolvimento de uma nova geração de drogas”, disse Gruber à Agência FAPESP.

“Por outro lado, a caracterização de genes das espécies mais relevantes de Eimeria pode permitir a identificação de possíveis moléculas candidatas para a composição de novas vacinas”, completou.

Segundo Gruber, em vez de sequenciar o genoma da Eimeria, que contém uma grande quantidade de sequências que não codificam proteínas, o grupo decidiu focar seus estudos diretamente nos RNAs mensageiros, as moléculas transcritas a partir do genoma que codificam as proteínas de um ser vivo.

Há cerca de quatro anos, os pesquisadores desvendaram, em colaboração com um consórcio internacional, a sequência do cromossomo 1 da Eimeria tenella. Em seguida, a equipe brasileira passou a abordar os transcritos das três espécies mais importantes na criação de frangos de corte: Eimeria acervulina, Eimeria maxima e Eimeria tenella.

“Geramos mais de 60 mil leituras de sequenciamento de transcritos, constituindo o maior conjunto de informações do gênero Eimeria no mundo. Um dos aspectos interessantes desse trabalho é que fizemos um estudo comparado das três espécies. Além disso, foram amostrados diferentes estágios dos parasitas no ciclo de vida, permitindo assim identificar genes importantes em cada uma dessas etapas”, afirmou.

O estudo verificou que em cada estágio o parasita expressa um conjunto próprio de genes. Mas, em cada um dos estágios, já começa a expressar também uma série de genes que prenuncia o estágio seguinte.

Os cientistas mostraram que existe uma forte associação entre a expressão gênica e os estágios: os estágios mais próximos têm também padrões de expressão mais parecidos. A partir dessa variação da expressão gênica, foi possível entender a dinâmica dos diferentes estágios.

“Os resultados demonstraram de forma inequívoca que os padrões de expressão dos diferentes estágios de desenvolvimento estão fortemente correlacionados com a ordem desses estágios no ciclo de vida dos parasitas. Isso significa que existe uma espécie de relógio molecular bastante sincronizado que regula a expressão de um conjunto de genes na medida em que seus produtos se tornam necessários ao longo do ciclo”, explicou Gruber.

Conhecer esses genes e seus padrões de expressão, segundo ele, pode levar a um entendimento muito maior dos mecanismos moleculares que governam a via parasitária, e, portanto, permitir o desenvolvimento de novas estratégias de controle do parasita.

Método diagnóstico

Gruber destaca que o trabalho foi inteiramente conduzido no Brasil, envolvendo uma equipe multidisciplinar que incluiu veterinários, biólogos e pesquisadores da área de computação. A participação do pessoal dessa área foi fundamental para que o grupo pudesse realizar a análise de milhares de sequências gênicas e integrar os resultados.

“Diferentemente de outros grupos de pesquisa sobre coccidiose do mundo, nossa equipe realizou todo o trabalho, incluindo a propagação e purificação dos parasitos nas aves, extração do RNA mensageiro, construção das bibliotecas, sequenciamento e análise computacional dos dados”, disse.

Gruber trabalha com coccidiose aviária desde 1996, mas, a partir de 2002, iniciou uma linha de pesquisa de desenvolvimento de software na área de bioinformática. Em colaboração com Durham, do IME-USP, o grupo de Gruber passou a desenvolver boa parte das ferramentas computacionais necessárias para a análise dos milhares de sequências biológicas obtidos em seus laboratórios.

“Esse trabalho resultou, entre outros programas, em uma plataforma de análise denominada EGene, que permite processar os dados brutos das sequências, integrá-los e caracterizá-los quanto às funções biológicas desempenhadas pelos respectivos genes, uma tarefa denominada anotação funcional”, disse.

Além de contribuir no estudo dos genes de Eimeria, o programa EGene foi publicado em periódicos científicos e se encontra disponível de forma gratuita na internet, permitindo assim que outros pesquisadores possam utilizá-lo em suas pesquisas, independentemente do organismo estudado.

A caracterização do transcriptoma de Eimeria se soma a outros avanços obtidos pelo grupo brasileiro na pesquisa do parasita, entre os quais destacam-se o desenvolvimento de métodos diagnósticos moleculares para a detecção e diferenciação das sete espécies que infectam a galinha e, mais recentemente, das 11 espécies que parasitam o coelho doméstico.

“Outra pesquisa importante foi o desenvolvimento de um método diagnóstico baseado em PCR [reação em cadeia da polimerase] para a diferenciação de cepas de três espécies de Eimeria, trabalho desenvolvido em parceria com o Laboratório Biovet e que resultou em uma patente conjunta entre a empresa, a USP e FAPESP, no ano de 2007”, disse Gruber.