“Nunca tive dúvidas de que escolher a área de laboratório era a opção certa. Foi um grande e prazeroso desafio, ao qual me dedico até hoje”, diz a médica-veterinária Ana Cristina Rocha
18/09/2019 – Atualizado em 30/10/2022 – 9:30pm
A médica-veterinária Ana Cristina Gonçalves Pinto da Rocha descobriu logo no início do curso de Medicina Veterinária sua paixão pela área de laboratórios. Assim que chegou à Universidade Federal de Uberlândia (UFU) teve acesso ao laboratório de leite e foi contagiada pelo entusiasmo da técnica Daise Aparecida Rossi.
“Nós nos tornamos amigas e virei frequentadora assídua do laboratório. Contagiada pelo trabalho dela, me tornei a primeira bolsista de iniciação científica da Faculdade de Veterinária da UFU. Por motivos óbvios, o tema do meu trabalho foi microbiologia de leite. Nunca mais quis trabalhar em outra área”, conta.
“Histórias que transformam vidas” é a campanha do Dia do Médico-Veterinário de 2019 do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e, bem alinhada ao tema, Ana Cristina revela com orgulho que, hoje, sua musa inspiradora, Daise, é bióloga e médica-veterinária da UFU, com mestrado e doutorado, docente do curso de Medicina Veterinária e orientadora do programa de pós-graduação em Ciências Veterinárias da UFU. “É um reconhecimento ao seu empenho e paixão pelo trabalho e a quem agradeço a minha escolha profissional”, reconhece.
Mas a paixão de Ana Cristina pela Medicina Veterinária vem de muito antes da vida universitária. Na verdade, vem de casa. Filha do médico-veterinário José Pinto da Rocha, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Ana acompanhou de perto o entusiasmo e o empenho do pai, que dedicou a vida profissional ao Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Dipoa/Mapa).
“Minha infância e adolescência foram sempre cercadas por histórias da evolução deste serviço, tão essencial à segurança alimentar”, revela.
Hoje, Ana tem 31 anos de ministério, no qual ingressou logo que se formou, em 1988. Juntou a vocação para a área de laboratórios com a influência do pai para tornar-se auditora fiscal federal agropecuária. E 31 também foram os anos em que o pai permaneceu no ministério, chegando a diretor do Dipoa. O número só reforça a predestinação que une pai e filha.
Ao entrar no Mapa, Ana abriu seus horizontes e abandonou a microbiologia de alimentos, passando a atuar na área de Diagnóstico das Doenças dos Animais e Controle Laboratorial de Produtos Biológicos de Uso Veterinário, como vacinas, antígenos e alérgenos. Ela recorda que no início da década de 1990 ainda não existia a tecnologia disponível atualmente e os profissionais precisavam buscar o aprimoramento necessário para a identificação precoce das doenças e a proteção adequada dos rebanhos.
Na entrevista a seguir, Ana Cristina conta como a sua escolha impactou sua vida profissional e como foi a evolução do trabalho ao longo de três décadas na área de laboratórios do Mapa, atuando na Coordenação-Geral de Laboratórios Agropecuários (CGAL), da Secretaria de Defesa Agropecuária do ministério.
1. Quais foram os desafios enfrentados e as grandes conquistas que transformaram sua vida profissional?
Recém-formada, tive a oportunidade de trabalhar no Mapa, no Projeto de Controle da Doenças dos Animais, financiado pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird). Um dos pilares do projeto era o fortalecimento da rede de laboratórios, para propiciar diagnósticos mais rápidos e vacinas mais eficientes. O projeto teve importância primordial para o início do combate mais intensivo das doenças que impediam o crescimento da pecuária nacional.
Quando cheguei ao ministério, os casos de febre aftosa eram milhares e, em sua maioria, o diagnóstico era clínico e não se vislumbrava a erradicação da doença. Da mesma forma, a doença de Newcastle, no caso das aves, e a peste suína clássica, no caso dos suídeos, que acometiam milhares de animais todos os anos.
Tive a oportunidade de participar de todas as fases dos programas de controle e erradicação destas enfermidades e acompanhar a evolução de cada um.
O caminho percorrido até aqui foi longo, trabalhoso e desafiador, mas extremamente gratificante. A cada passo, tínhamos a certeza de que empregos eram criados, a qualidade, a quantidade e a segurança da proteína animal produzida aumentavam e propiciavam ao país a conquista de novos mercados consumidores, propiciando um círculo virtuoso na geração de mais empregos e renda.
A área de laboratório teve e tem papel fundamental em todas essas conquistas. Os seis Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária (LFDAs), localizados no RS, MG, SP, GO, PE E PA, os antigos Laboratórios Nacionais Agropecuários (Lanagros), participaram e participam ativamente e de forma decisiva da evolução do agronegócio, trabalhando em toda a cadeia produtiva.
Realizamos ensaios laboratoriais desde os insumos necessários à produção e à proteção dos nossos rebanhos e cultivares até os produtos que chegam à mesa dos brasileiros e de consumidores de mais de 140 países.
Nós nos dedicamos ainda à vigilância ativa de doenças exóticas em nosso país, que podem colocar em risco a agropecuária nacional, como a influenza aviária e a peste suína africana.
O trabalho árduo e determinado da Defesa Sanitária Animal, da qual a CGAL e a rede LFDA fazem parte, propiciou a erradicação da febre aftosa e da doença de Newcastle do território nacional e a criação da importante zona livre de peste suína clássica.
Os desafios enfrentados e as grandes conquistas se fundem à evolução da defesa sanitária animal das últimas três décadas. É um privilégio e um prazer poder fazer parte do crescimento da pecuária nacional. Um caminho percorrido por várias gerações com esforço e dedicação da equipe da CGAL e dos LFDAs e que foram fundamentais para que a desafiadora jornada tenha dado bons frutos e haja um horizonte de mais inovação e reflexos positivos na agropecuária nacional.
Nunca tive dúvidas de que escolher a área de laboratório era a opção certa. Foi um grande e prazeroso desafio, ao qual me dedico até hoje.
2. E como se deu a evolução da integração do serviço de diagnóstico com o setor produtivo?
Na década de 1990, os laboratórios do Mapa que trabalhavam com diagnóstico animal atendiam diretamente os produtores rurais e os médicos-veterinários de campo, em virtude da baixíssima oferta de exames laboratoriais, já que poucas Unidades da Federação contavam com laboratórios estaduais capazes de cumprir este papel.
Infelizmente, essa realidade ainda perdura, o que, por vezes, dificulta a capilaridade dos exames laboratoriais. Na maior parte dos países do mundo essa capilaridade se dá com laboratórios estaduais e de universidades, enquanto laboratórios oficiais do governo federal realizam os diagnósticos mais complexos e estratégicos para a Defesa Agropecuária.
Aos poucos, no Brasil, foram sendo criados laboratórios em universidades e na iniciativa privada capazes de atender ao setor produtivo. Desta forma, os laboratórios do Mapa puderam se dedicar ao atendimento das demandas do Serviço Veterinário Oficial, com foco primordial nas doenças de maior impacto na economia e na saúde pública, bem como naquelas que limitavam o comércio internacional de proteína animal.
Um dos laboratórios criados para o atendimento ao setor produtivo é o Centro de Diagnóstico e Pesquisa em Patologia Aviária (CDPA), da Universidade Federal do Rio Grande do SUL (UFRGS), onde, inclusive, fiz mestrado e doutorado.
Com a evolução dos programas sanitários, das declarações e do reconhecimento de zonas livres, os LFDAs passaram a contar com estruturas físicas de alta contenção para dar continuidade ao diagnóstico das doenças erradicadas e à vigilância de doenças exóticas.
Hoje, o Mapa possui dois laboratórios deste tipo, um LFDA em Minas e outro em São Paulo. Ambos possuem certificações internacionais e são capazes de manipular com segurança vírus como os da febre aftosa, da peste suína clássica e da influenza aviária e outros agentes de alta patogenicidade.
3. Quais são os caminhos que podem ser atrativos para os recém-formados interessados em atuar em laboratórios?
A atuação dos médicos-veterinários na área de laboratório é muito vasta. Inclui, principalmente, o diagnóstico das doenças dos animais, a microbiologia de alimentos, o diagnóstico de doenças animais, a produção e o controle de produtos biológicos e na área de biossegurança.
A excelência técnica é muito exigida e os métodos estão cada vez mais modernos. A biologia molecular foi, sem dúvida, a maior revolução nas últimas duas décadas, mas não podemos prescindir de excelentes virologistas e bacteriologistas.
4. Durante a sua trajetória profissional, quem foram seus grandes mestres e como te influenciaram?
Minha formação específica em diagnóstico animal foi iniciada no Laboratório de Apoio Animal (Lapa/DF), que pertencia ao Mapa e ficava em Brasília. Infelizmente teve suas atividades suspensas durante o governo Collor.
A seguir, no Projeto de Controle da Doenças dos Animais, fui impulsionada pelo Dr. Claudio Andrade, renomado virologista e à época consultor do projeto Bird. Um dos primeiros mestres que tive na vida profissional, entusiasta da área de laboratórios e capaz de fazer qualquer pessoa se apaixonar pela área de diagnóstico animal.
Nos anos seguintes, tive outros grandes exemplos de profissionalismo e entusiasmo pela defesa sanitária animal, como Natanael do Santos, Décio Lyra, Cesar Rosas e Ana Cristina Souza, responsáveis por eu estar nesta área até hoje.
Continuei minha formação no CDPA da UFRGS, onde fiz mestrado, doutorado e recebi lições diárias de grandes mestres, como Ari Bernardes da Silva, Carlos Tadeu Pippi Salle, Hamilton Luiz de Souza Moraes e Vladimir Pinheiro do Nascimento.
Após 31 anos de trabalho, está chegando a hora de enfrentar novos desafios profissionais. A sensação é de dever cumprido. Minha jornada sempre foi cercada pela dedicação de todos os colegas que foram exemplo.
Fica meu agradecimento a toda a equipe dos LFDAs, na pessoa de Alberto Ravison, que muito me ensinou e ainda está na ativa no LFDA do Rio Grande do Sul, mantendo o mesmo entusiasmo de quando o conheci, em 1988. Agradeço também à toda equipe da CGAL e à nova geração, através Sheila de Matos Xavier e Leandro Barbiere de Carvalho que chegaram à coordenação com a garra e a vontade peculiar da juventude e abraçaram o desafio com dedicação incondicional.
Assessoria de Comunicação do CFMV