Milton Thiago de Mello recebe Prêmio Paulo Dacorso em cerimônia no CFMV
10/02/2023 – Atualizado em 10/02/2023 – 3:44pm
Enaltecer o sucesso e as conquistas de, como ele mesmo diz, de 90 anos de vida adulta consciente, seria o caminho mais fácil para o médico-veterinário Milton Thiago de Mello. Porém, às vésperas de completar 107 anos de idade, data celebrada no dia 5 de fevereiro, ele segue alimentando ideias, lendo e escrevendo sobre o presente e o futuro da Medicina Veterinária.
Para receber o Prêmio Professor Paulo Dacorso 2021, o professor, cientista e leitor voraz surge com alguma dificuldade de locomoção, devido a um acidente sofrido três anos atrás, porém lúcido como sempre e bem-humorado como nunca. Considerado uma referência na Medicina Veterinária brasileira e mundial, Mello foi homenageado em cerimônia realizada no dia 27 de janeiro, na sede provisória do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), em Brasília.
À mesa, além dele e de sua esposa, a psiquiatra Ângela, estavam o presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti de Almeida; o ex-presidente do federal, René Dubois (representando a Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária, SBMV); Josélio de Andrade Moura, presidente da Academia Brasileira de Medicina Veterinária (Abramvet); e o conselheiro titular do CFMV Marcílio Magalhães, responsável pela indicação de Mello ao prêmio.
O evento contou com a presença da Diretoria Executiva, de conselheiros titulares e suplentes do CFMV, além de presidentes de regionais e do corpo funcional, de familiares, colegas e admiradores do homenageado. A solenidade teve transmissão on-line, assistida por mais de 30 pessoas, simultaneamente. O médico-veterinário Guilherme Marques, consultor da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a tenente-coronel veterinária Orlange Rocha, representando o Exército Brasileiro compareceram presencialmente, assim como Eliana Dea Lara Costa e Alexander Dornelas Gomes, ambos do Ministério da Agricultura e Pecuária.
Acompanharam o evento virtualmente, entre outros, o senador Wellington Fagundes (MT); o jornalista e médico-veterinário Luiz Octávio Pires Leal, autor da biografia de Mello; o coronel veterinário Francisco Augusto, do Exército Brasileiro; a professora Maria José de Sena, presidente da Comissão Nacional de Educação da Medicina Veterinária; o ex-presidente do CRMV-SP, Mario Pulga; o professor Ismar Moraes, presidente do Grupo de Trabalho Técnico-Jurídico (GTTJ) do CFMV; Nestor Werner, ex-conselheiro suplente do CFMV; Leonardo Napoli, membro da Comissão Nacional de Desastres em Massa Envolvendo Animais; e Glória Boff, ex-secretária-geral do CRMV-RS.
Reconhecimento
Todos lembraram passagens da vida do homenageado, como o recebimento, em 2013, da maior honraria da Medicina Veterinária no mundo, o prêmio John Gamgee. Anos antes, Mello foi escolhido Honorary Fellow da Zoological Society of London, o que lhe propiciou a oportunidade de ser cumprimentado pela Rainha Elizabeth II, da Inglaterra. Ao todo, foram mais de 20 prêmios ao longo de mais de 80 anos de atuação como médico-veterinário.
Magalhães fez o primeiro da série de discursos emocionados que marcaram a tarde. Na ocasião, lembrou de uma conversa com o professor, que respondeu-lhe qual seria o segredo de sua saudável longevidade (“as boas amizades e uma boa dose de um bom uísque”). O conselheiro destacou:
“A honra de contar com a amizade do Dr. Milton não foi o principal motivo da minha indicação. Expoente figura da Medicina Veterinária brasileira e mundial, nosso ilustre agraciado é possuidor de um dos mais brilhantes currículos profissionais de que temos conhecimento. Sua destacada carreira de médico-veterinário, militar do Exército, pesquisador e cientista, e sua vasta produção acadêmica é incomparável”, assinalou, emendando sua fala a alguns destaques na trajetória do homenageado e lembrando a importância da parceria de Ângela, por meio da dedicatória de Mello no livro autobiográfico “O poste de Cozumel”.
Em seguida, foi a vez de o presidente da Academia Brasileira de Medicina Veterinária, Josélio de Andrade Moura manifestar sua alegria pela entrega da honraria a Mello e lembrar uma de suas frases emblemáticas.
“Quero deixar um pequeno recado da ‘segunda lei de Milton’, que é um recado a professores e alunos: ‘Os professores têm a obrigação de fazer seus alunos melhores que eles próprios; e os alunos têm a obrigação de estudar tanto para se tornarem melhores que seus próprios mestres”, lembrou, passando a palavra a René Dubois, “dos aqui presentes, o mais antigo amigo do professor Milton Thiago, e que o acompanha em sua brilhante trajetória de cientista luminar”.
Em sua fala, Dubois destacou ser a entrega do Prêmio Paulo Dacorso Filho a Mello um momento histórico. “Sem demérito aos demais (vencedores do prêmio), hoje estamos homenageando um super-homem, o maior de todos os agraciados até agora”, afirmou, provocando aplausos da plateia.
Para ele, Dacorso e Mello se equivalem em grandiosidade como médicos-veterinários, e que por isso aquele se tratava de um momento histórico. Antes, destacou a história do patrono da premiação e de seus idealizadores, todos já falecidos: o ex-presidente do CFMV Laerte Silvio Traldi (gestão 1975-1978) e Waldemar Naclério Torres, conselheiro que apresentou a ideia da premiação, pouco após a morte de Dacorso. Encerrou citando o poema Le grand homme (O grande homem), do francês Jacques Prévert: No ateliê do talhador de pedras/onde o encontrei/lhe tiravam as medidas para a posteridade.
“Que seja esculpida na pedra da Medicina Veterinária esta homenagem feita a um grande homem, Milton Thiago de Mello”, concluiu Dubois.
Futuro da Medicina Veterinária
Além das áreas em que atuou na Medicina Veterinária, o talento de Milton Thiago de Mello inclui abordar temas sérios entremeados por comentários divertidos em seus discursos. Não foi diferente, no dia 27 de janeiro. Revela uma promessa de falar seriamente, mas logo a descumpre, soltando um gracejo: “O que as senhoras e os senhores esperam de um velhinho de 107 anos? Será que ele ainda fala?”, disparou, tirando risadas da plateia.
Após descrever a emoção sentida ao ser comunicado sobre o recebimento do Prêmio Paulo Dacorso e agradecer as falas de Magalhães, Lima e Dubois, não tarda, porém, a desenvolver um tema que sempre lhe foi caro. “Acompanhei durante 90 anos a evolução da Medicina Veterinária brasileira. E o que resultou esta evolução? Hoje ela repousa em dois temas: saúde única e segurança alimentar. Todo o futuro da Veterinária repousa sobre essa dupla”, afirmou, seguido de aplausos.
Mello lembrou que esse já era o caminho desde o surgimento da SBMV, na década de 1920. “A saúde única, representada pelas doenças que já existiam naquela época, principalmente, o mormo e a raiva canina; a segurança alimentar repousava no fundador da sociedade e pioneiro da inspeção de alimentos, o médico Franklin de Almeida, que fez sua tese sobre inspeção de carnes”, descreveu.
O professor expressou seu assombro com o fato de haver mais cursos de graduação de Medicina Veterinária no Brasil do que a somatória mundial. Por isso, considera o ensino veterinário uma bolha prestes a estourar, assim como o “fenômeno pet”. “Há necessidade do recadastramento de todos os veterinários brasileiros, para sabermos quais são e quantos são”, conclamou.
Citação a Molière
Após pedir palmas para Cavalcanti e Magalhães, como forma de agradecimento pelo prêmio, citou o dramaturgo francês Molière, um dos maiores autores de comédia até hoje. Em uma de suas peças, “O doente imaginário”, escrita no século XVII, há um trecho que aconselha quem vai se pronunciar em uma cerimônia de homenagem. Mello reproduz a fala:
“Primeiro, homenagear a instituição, o que já foi devidamente feito; segundo, elogiar o atual presidente, o que fizemos; terceiro, elogiar os membros da instituição, os tais 160 mil médicos-veterinários, sendo que mais de dois terços estão dedicados aos pets, aos cachorrinhos? Então, sintam-se devidamente elogiados. E o último conselho de Molière: modestamente, se autoelogie. Não preciso fazer isso, por mim já o fizeram Josélio, René e Marcílio”, resumiu, sob aplausos e risos dos presentes.
19’ Na sequência, recordou a própria trajetória, na qual trabalhou com cavalos por 20 anos, no Exército; depois, mais algumas décadas pesquisando a brucelose na Fiocruz e outras instituições ao redor do mundo e, por fim, foi a vez da primatologia, em seu período na Universidade de Brasília, a partir de 1974. “Em cada um desses setores, recebendo as devidas homenagens, acabei escrevendo um livro chamado ‘A trilogia’, porém passando também alguns anos na clínica de cachorros. Sou também um veterinário de cachorrinhos, embora ache um exagero o que ocorre hoje”, resumiu.
Para ele, a Medicina Veterinária que dá comida ao mundo inteiro, com bilhões de bovinos, suínos e frangos, estará até o fim do século terminada (“não me fuzilem!”, pediu), com o que hoje chamamos de carne cultivada. “Não tenham medo de entrar de cabeça na carne cultivada a partir de células-tronco desenvolvidas em laboratório, que para suprir as necessidades da humanidade terá de ser cultivada em instalações imensas, como as das cervejarias”, aconselhou, concluindo em seguida: “Muito obrigado pelas medalhas, pelo diploma e pelas palavras com que o Josélio, o Marcílio e o René me distinguiram e, principalmente, muito obrigado à minha esposa!”.
O presidente do CFMV, último a discursar, afirmou que ao homenagear Mello era uma forma de coroar o trabalho de Laerte e Waldemar, criadores do prêmio. “Solenidade simples, mas de coração, mostrando ao Brasil e ao mundo esse querido médico-veterinário que dignificou a Medicina Veterinária brasileira e, quiçá, mundial”, saudou.
Almeida anunciou que foi discutido em sessão plenária, encerrada horas antes, que o CFMV realize o I Congresso Latino-Americano com os temas saúde única e segurança alimentar, em setembro. “Outro tema a ser discutido é a qualidade no ensino, com mais de 550 faculdades, o dobro do que existe no mundo”, complementando que o CFMV já começou a trabalhar com o Ministério da Saúde esses três temas.
Ele aproveitou para agradecer o apoio e a parceria das autoridades presentes, ressaltando que entregar o Prêmio Paulo Dacorso ao professor Milton Thiago foi uma das maiores honras de sua carreira como médico-veterinário.
Presentes
Na solenidade do CFMV, a Diretoria Executiva foi representada pelo presidente, pela vice-presidente, Ana Elisa Almeida, e pelo secretário-geral, Helio Blume. Também compareceram todos os conselheiros efetivos: além de Magalhães, Célio Garcia, Júlio Cesar Peres, Marcelo Weinstein, Olízio Claudino e Paulo Guerra. Flavio Veloso e Valney Correa, conselheiros suplentes, completaram o grupo.
Dentre presidentes de regionais, estiveram na cerimônia as presidentes do CRMV-AP, Rackel Barroso; CRMV-PE, Maria Elisa Araújo; e do CRMV-TO, Marcia Helena da Fonseca. Virtualmente, os presidentes do CRMV-GO (Rafael Vieira), CRMV-PR (Rodrigo Mira) e CRMV-RJ (Rômulo Spinelli) prestigiaram o evento.
Assessoria de Comunicação do CFMV