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25/02/2011 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:20am

A onda de protestos no Oriente Médio e no norte da África colocou os países da região em um ambiente de profunda instabilidade política e ameaça gerar uma crise econômica num dos mercados mais promissores para empresas do Brasil. Algumas das maiores multinacionais do Brasil mantêm operações em países árabes. Exportadores acreditam que a atual turbulência política na região não trará danos às vendas brasileiras, embora em alguns setores já se cogite mercados que possam ser alternativos ao mundo árabe.

Nos últimos anos, as exportações brasileiras para os países árabes aumentaram 12 vezes, resultado em parte da política ofensiva do governo Lula na região. Em 2010, um quarto do superávit comercial brasileiro se deveu ao comércio com os países da região.

O risco maior neste momento de protestos e confrontos parece ser às companhias que têm bases e projetos nesses países. No Egito, por exemplo, durante os protestos que praticamente paralisaram o país nos dias que antecederam à queda do presidente Hosni Mubarak, a fábrica da Marcopolo teve de fechar as portas temporariamente.

No ano passado, 61% das exportações brasileiras para a região – que totalizaram US$ 12,57 bilhões – foram para apenas quatro países: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes e Argélia. Quatro itens responderam por 78,6% do total exportado: carnes, açúcares, minério e cereais.

"O setor não está preocupado, mas está atento", disse Ricardo Santin, diretor de mercados da União Brasileira de Avicultura (Ubabef), que reúne empresas exportadoras de carne de frango. Só o Oriente Médio importou no ano passado um total de US$ 2,23 bilhões em carne de frango do Brasil, de um total de US$ 6,8 bilhões exportados pelo país, diz a Ubabef.

Nesse grupo, destaca-se a Arábia Saudita, principal cliente do Brasil. Os sauditas importaram US$ 923 milhões no ano passado – ou 550 mil toneladas de frango.

Uma fonte de indústria de frango, que pediu não ter seu nome citado, admitiu apreensão com a possibilidade de problemas na Arábia Saudita, mas afirmou que o país é considerado "mais estável politicamente".

Questionado sobre o que os exportadores brasileiros farão se os distúrbios se espalharem para o reino saudita, Santin disse que as empresas já têm um plano de contingência. A opção, afirmou, é redirecionar o frango para outros mercados importadores, como ocorreu na crise financeira de 2008. Disse também que o Brasil tem capacidade de armazenagem, caso seja necessário, já que os estoques de carne de frango nas empresas são baixos.

Santin avalia ainda que uma eventual interrupção das vendas seria solucionada rapidamente, como no caso egípcio. "No Egito, não houve quebra de contratos, algumas empresas postergaram embarques, mas não houve cancelamentos", disse ele.

Na indústria de carne bovina, a expectativa também é de retomada rápida caso as turbulências se ampliem. "O problema no Egito prejudicou temporariamente as exportações, mas o país já está até comprando mais", afirmou uma fonte do setor.

"O que mais preocupa [na região] é o Irã e o Egito, países com população maior e mercados mais importantes", disse a fonte do setor. Os dois países só ficam atrás da Rússia na importação de carne bovina in natura do Brasil. O Irã – não atingido até agora pela onda de protestos dos vizinhos árabes – foi o segundo maior em 2010, com US$ 807 milhões, seguido pelo Egito, com US$ 410 milhões.

A JBS, que tem dois centros de distribuição no Egito e um escritório comercial em Dubai, informou que suas operações seguem normalmente na região. A BRF Brasil Foods tem escritório comercial em Dubai, mas atua no Oriente Médio em parceria com distribuidores locais. Segundo a companhia, as operações de distribuição e embarques estão normais.

Os exportadores de açúcar – segundo item da pauta das vendas brasileira para a região -, não têm relatado dificuldades associadas aos protestos em muitos países árabes, segundo Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica, entidade que reúne produtores brasileiros. "O que pode haver é uma redução da demanda de açúcar pela região, mas provavelmente as nossas exportações seriam demandadas por refinarias de outros países." Os países árabes são o terceiro maior mercado do açúcar do Brasil, depois de Índia e Rússia.

Os laços comerciais entre Brasil e mundo árabe ganharam força nos anos 80, mas foi só nos últimos anos que o governo acentuou seus esforços para diversificar seus mercados e diminuir a dependência dos países centrais, diz o economista Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet). Esse esforço coincidiu com a o crescimento da demanda dos países árabes por serviços e produtos, que foi alimentada pelo aumento da renda associada à alta do petróleo.

Apesar do avanço no mercado árabe, as empresas brasileiras se queixam das dificuldades de atuar nos regimes fechados da região, que agora são alvo de intensa pressão popular. "Os brasileiros falam das barreiras aos investimentos, do ambiente regulatório muito instável, de regimes políticos de alto risco e também da concorrência com a China", disse Lima.

O economista diz que empresas brasileiras que têm sociedade com estatais devem ter razão para se preocupar com a possibilidade de os atuais regimes caírem e serem substituídos por outros que possam mudar as condições dos contratos em vigor. E mais: "Poderá sempre haver um período de indefinição nesses casos, o que poderá acarretar dificuldade de pagamentos para as empresas".

Entre as companhias com bases na região, a Vale está construindo um complexo industrial em Omã, país que faz fronteira com a Arábia Saudita e o Iêmen – este também palco de conflitos. Até agora, porém, Omã, que tem um regime de monarquia absolutista, parece infenso à agitação no seu entorno. O empreendimento da Vale, estimado em US$ 1,3 bilhão, tem como sócio minoritário, com 30% de participação, o governo de Omã. A primeira unidade pelotizadora está entrando em fase de pré-testes.

O Valor não conseguiu localizar nenhuma fonte da Vale para saber se o negócio da empresa em Omã estava sendo afetado pelos confrontos na região.

No governo brasileiro, a avaliação é que não interessa ao país e aos investidores alianças sustentadas por governos instáveis, fruto de repressão à população.

"Nossa preocupação é que haja um ambiente em que nossas parcerias e investimentos sejam de longa duração, não em situação de fragilidade política", disse ontem, de Washington, o porta-voz do Itamaraty, Tovar Nunes. "É do nosso interesse cada vez mais democracia e participação popular; queremos nossos investimentos vistos como bem vindos, não como resultado de momentos de fragilidade na governança dos países".