Médico-veterinário estará na primeira expedição do Brasil ao Ártico
08/07/2023 – Atualizado em 10/07/2023 – 2:35pm
O médico-veterinário José Roberto de Andrade Lima, coronel do Exército Brasileiro, vai representar a Medicina Veterinária brasileira na primeira expedição do Brasil ao Ártico. Ele estará ao lado de cinco pesquisadores, dois da Universidade de Brasília (UnB), dois da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um da Universidade Católica de Brasília (UCB). Será a primeira participação científica oficial do país ao extremo norte do planeta.
A Operação Ártico 1 vai de 8 a 21 de julho e terá como objetivo conhecer a biodiversidade e obter informações sobre o impacto das mudanças climáticas na região, as quais podem afetar, inclusive, o litoral norte do Brasil. Entre outras atividades, os pesquisadores coletarão amostras de solo, sedimentos marinhos e de lagos, água de lagos, rochas e plantas para identificar microrganismos e plantas que vivem por lá. Depois, vão compará-los com amostras obtidas na Antártida, onde o Brasil já realiza pesquisas há mais de 40 anos.
O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) apoia a viagem do médico-veterinário. “Participar da primeira expedição científica do Brasil ao Ártico será uma oportunidade ímpar para a Medicina Veterinária brasileira. Por isso, com muita honra, o CFMV atendeu à solicitação do professor Paulo Câmara, da UnB, para fornecermos suporte à participação do coronel José Roberto na expedição. Isso é valorizar a profissão. Isso é colocar em prática o conceito de saúde única”, afirma o presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti de Almeida.
País visa a assento como membro observador do Conselho do Ártico
A segunda finalidade da viagem é diplomática, de busca de colaboração com outros países e, para isso, o grupo visitará estações científicas. Ao mostrar interesse pela região, o Brasil visa pleitear um assento como membro observador no Conselho do Ártico, que tem oito países como membros permanentes: os cinco que perpassam o Círculo Polar Ártico – Canadá, Dinamarca (por causa da Groenlândia), Estados Unidos (por causa do Alasca), Noruega e Rússia –, além de Finlândia, Islândia e Suécia e seis organizações que representam os povos originários da região. Outros 13 países participam como observadores, assim como 25 instituições multilaterais e organizações não governamentais.
Para ser um membro observador, é preciso demonstrar interesse pelas questões árticas e ter o nome ratificado pelos oito membros permanentes. O primeiro passo do Brasil para se aproximar geopoliticamente do Ártico é assinar o Tratado de Svalbard, justamente a região para onde o grupo dos brasileiros seguirá. O documento reconhece a soberania da Noruega sobre o arquipélago de mesmo nome, mas garante acesso a ele a países que aderem ao texto.
A Primeira Expedição Científica do Brasil ao Ártico, ou Operação Ártico I, será financiada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), via Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e tem apoio institucional do Ministério das Relações Exteriores e da Secretaria Interministerial dos Recursos do Mar da Marinha do Brasil. Além de Lima, compõem o grupo Paulo Eduardo Câmara e Micheline Carvalho Silva (UnB); Vivian Nicolau Gonçalves e Luiz Henrique Rosa, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG; e Marcelo Ramada, da UCB.
Entrevista
Coronel Veterinário do Exército Brasileiro José Roberto de Andrade Lima
Como surgiu o convite para participar da primeira expedição oficial do país ao Ártico?
Como pesquisador de temas relacionados à saúde única, defesa biológica, bioproteção e às ameaças sanitárias emergentes, travei contato com pesquisadores da UnB que investigam antropoceno, mudanças climáticas e seus impactos na Antártida, geopolítica polar e saúde planetária. Passamos a integrar, juntos, a equipe do mais novo mestrado da área de estudos de defesa, o Programa de Pós-Graduação em Segurança, Desenvolvimento e Defesa (PPGSDD), que funcionará em 2024 na Escola Superior de Defesa (ESD), em Brasília, na qual sou professor e pesquisador. Juntamente a um desses pesquisadores, o professor doutor Paulo Câmara, escrevi uma policy paper que será publicada neste mês de julho, na revista Diálogos Soberania e Clima, versando sobre “Mudanças Climáticas, Antártida e as ameaças sanitárias emergentes”. Estamos juntos, ainda, em três projetos de pesquisa inscritos no novo edital de pesquisa do Programa Antártico Brasileiro (ProAntar), no qual o professor Paulo é pesquisador há mais de dez anos, além de ser um dos coordenadores da Primeira Expedição Brasileira ao Ártico – Expedição Terezinha de Castro. Considerando os achados de pesquisas polares recentes sobre deslocamento de patógenos relacionados com o degelo no Ártico e na Antártida, o professor fez o convite para agregar o olhar da saúde única nesta primeira missão científica brasileira ao Polo Norte.
Qual a importância de haver um médico-veterinário no grupo de pesquisadores? Qual conhecimento/bagagem leva como diferenciais para essa missão?
A base da equipe científica dessa expedição ao Ártico é formada por pesquisadores antárticos muito experientes. São botânicos especializados em genômica e que investigam a biodiversidade Antártica com foco em musgos, liquens, briófitas em geral e as formas de vida relacionadas. Portanto, as pesquisas dessa equipe têm contribuído para avaliar a saúde ambiental em um cenário de mudanças climáticas, caracterizar novas espécies botânicas e identificar potenciais biotecnológicos. Nesse contexto, os pesquisadores têm se deparado com formas de DNA desconhecido, encontrado em cerca de 30% das amostras de solo, gelo etc. Poderiam se tratar de um patógeno; uma ameaça sanitária para humanos, animais e vegetais, para a agropecuária, por exemplo?
Este olhar pelo viés da saúde única, de segurança sanitária, observando as interfaces meio ambiente-humanos-animais é a contribuição que espero aportar às pesquisas polares. Devo ressaltar que a Fiocruz, com a qual estamos interagindo também, já possui um projeto na Antártida, desde 2019, buscando prospectar patógenos em animais e no meio ambiente, o Projeto FioAntar, que já caracterizou cepas do vírus da influenza aviária em pinguins e fungos causadores da histoplasmose em tapetes de musgos.
Profissionalmente, qual a diferença desta para outras missões internacionais das quais já participou como oficial do Exército Brasileiro?
Nos meus 28 anos de carreira, tive a oportunidade de participar de duas missões acadêmicas no exterior, um mestrado em Epidemiologia Veterinária, no Canadá (1998-2000), e um pós-doutorado em Saúde Global e Ambiental, nos Estados Unidos (2015-2016), assim como uma missão esportiva, como veterinário da equipe equestre militar do Brasil, no Chile (2002), e a mais relevante de todas, a missão de paz da ONU no Haiti, quando tive a honra de ser o primeiro médico-veterinário encarregado pela proteção da saúde da tropa e pela gestão ambiental do Batalhão de Infantaria de Força de Paz (2009-2010). Nesta última vivenciei o terremoto de 12 de janeiro de 2010, que vitimou cerca de 300 mil haitianos e 17 militares brasileiros, oportunidade na qual tive de desempenhar diversas funções novas, desenvolvendo atributos como iniciativa, flexibilidade e resiliência.
Essa oportunidade de explorar cientificamente o Ártico será algo novo, desafiante, onde estaremos representando o valor da ciência brasileira e identificando lacunas do conhecimento onde nossa atuação poderá fazer muita diferença no enfrentamento da maior crise planetária – a crise climática, poderá contribuir com a projeção da medicina veterinária, da saúde única e do Brasil como fontes de soluções para os graves problemas enfrentados pela humanidade.
O que espera dessa oportunidade, profissional e pessoalmente?
Espero aproveitar ao máximo, aprender muito nas rotinas de coleta de material a campo que realizaremos no arquipélago de Svalbard (Noruega), interagir com diversos pesquisadores, somando esforços multidisciplinares para a produção de ciência polar. O Brasil assumiu o compromisso de integrar o seleto grupo de países que realizam pesquisas no Ártico. Tendo mais de 40 anos de expertise em pesquisa Antártica, o país tem capacidade para dar grandes contribuições nas investigações sobre o Ártico, região particularmente vulnerável, onde o aquecimento tem se mostrado quatro vezes mais acelerado do que no restante do globo.
Pessoalmente, eu que sou originário do sertão da Bahia, em pleno bioma Caatinga, que já servi em diversos cantos do Brasil, contemplando o esplendor dos biomas Mata Atlântica, Amazônia e Cerrado, espero desfrutar da beleza da natureza polar, refletir sobre nossa pequenez diante daquela imensidão e sobre nossa responsabilidade em preservar a Terra habitável e saudável para as gerações futuras. Tudo isto tendo cuidado para não ser surpreendido pelos mais de 2.000 ursos polares que transitam por Svalbard.