Fora da Lei
13/10/2010 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:25am
O tráfico de animais silvestres está entre as atividades ilícitas mais praticadas no mundo, atrás apenas do tráfico de armas, tráfico de drogas e tráfico de seres humanos, segundo a Polícia Federal. No Brasil, o problema não é menor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apreendeu, só até setembro deste ano, mais de 8,8 mil animais silvestres pelo país. Em 2009, o número ultrapassou os 31 mil.
A principal rota do tráfico de animais silvestres no Brasil começa na Região Nordeste, com a retirada de espécies da natureza, e segue até o grande mercado consumidor da fauna no país: a Região Sudeste. Segundo o Ibama, os estados onde ocorre a maior parte das capturas de animais são Maranhão, Bahia, Ceará, Piauí e Mato Grosso. Já os estados com o maior mercado consumidor são São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
“As principais ‘fornecedoras’ de animais para o tráfico são as pequenas populações ribeirinhas, em que há um elevado grau de pobreza. A falta de capacidade financeira, em épocas de estiagem, por exemplo, leva essa população a recorrer a outras formas de renda, como a venda de espécies disponíveis em sua região. Isso ocorre muito em assentamentos. Sem suporte, algumas pessoas recorrem ao tráfico como um meio de sobrevivência”, afirma o coronel Angelo Rabelo, oficial da reserva da Polícia Militar Ambiental, e coordenador do Curso de Estratégias para Conservação da Natureza, um programa de capacitação de oficiais.
Além da comercialização por intermédio de traficantes, a venda de animais também acontece em estradas pelo país, principalmente na Região Nordeste. “É comum a venda de tartaruguinhas e jiboias, levadas por turistas como ‘lembranças’. Ainda assim, isso é minoria. O maior volume de animais é destinado ao tráfico. Os traficantes usam o conhecimento empírico dessas populações para aliciar essas pessoas. Os animais são, em geral, encomendados, e o valor pago é muito baixo”, diz Raulff Ferraz Lima, coordenador executivo da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas).
Segundo o Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre, publicado pela Renctas, 60% dos animais comercializados ilegalmente são para consumo interno, o chamado tráfico doméstico. Seguem para destinos internacionais 40% dos animais retirados da fauna brasileira. De acordo com Lima, a exportação ilegal de aves e peixes ornamentais é feita, principalmente, para a Europa. Na Ásia, o consumo majoritário é de répteis e insetos. Já na América do Norte, o mercado consome principalmente primatas, papagaios e araras.
No Brasil, de forma geral, as aves são as mais comuns em apreensões de tráfico. Segundo o Ibama, elas correspondem a 80% do total, sendo que destas, 90% são passeriformes, os pássaros, caracterizados pelo belo canto (curió, canário da terra, coleiros e trinca-ferro, por exemplo). Os psitacídeos (maioria papagaios, seguido de jandaias, periquitos e araras) representam 6% e as demais ordens de aves correspondem aos outros 4% das apreensões.
“As aves são as preferidas por suas características de cores e canto diferenciadas, e pelo valor que têm”, afirma o coronel Rabelo.
Finalidades do tráfico – O tráfico de animais silvestres pode ser enquadrado em algumas categorias, cada um com particularidades com relação a destinos e animais “prediletos”. O mercado que movimenta, segundo Lima, a maior soma de recursos no país é o de colecionadores particulares. “Eles priorizam animais ameaçados de extinção, que são mais caros e provocam um impacto maior no meio ambiente”, diz o diretor executivo da Renctas. Neste caso, os animais mais procurados são araras, papagaios e beija-flores.
Já os animais para companhia mais populares são iguanas, jiboias, arararas e papagaios, além de pássaros de canto e macacos. Outro uso comum de animais traficados é a biopirataria – que retira animais da natureza para pesquisas científicas. As serpentes venenosas e os insetos aparecem como os mais procurados nesta categoria.
Especialistas ressaltam que não são comuns apreensões de insetos, aracnídeos e serpentes, isso porque são animais muito pequenos, transportados, em geral, já mortos, e por meio de serviços postais.
Risco de extinção – Segundo o Ibama, o tráfico de animais pode contribuir para a redução de espécies na natureza, tornando-as ameaçadas de extinção no país ou localmente. Alguns exemplos de animais ameaçados e objetos do tráfico são a arajuba, o papagaio-chauá, o curió, o bicudo e o cardeal. O tráfico contribuiu para a extinção na natureza da ararinha-azul, que hoje só existe em cativeiro.
O coronel Rabelo ressalta ainda o caso do mico-leão-dourado, referência pela beleza e pelo tamanho, que tende a não chamar atenção. “Ele chegou à linha crítica da extinção e hoje está reduzido à região do Posto das Antas, em pequenas populações”, afirma.
Fiscalização – O controle do tráfico de animais silvestres no Brasil se dá, em sua maioria, a partir de denúncias anônimas. Há fiscalização nas rotas já conhecidas como usadas pelo crime, com o auxílio da Polícia Federal, mas os animais são transportados, muitas vezes, de forma a não chamar a atenção dos agentes.
“A maior parte dos animais é transportada em veículos de pequeno porte, utilizando técnicas que levam muitas espécies à morte. Eles usam malas de viagem, fundos falsos de carro, e optam por trazer essas espécies como filhotes, porque dão menos trabalho e chamam menos a atenção”, diz o coronel da Polícia Militar Ambiental.
Já o Ibama realiza fiscalizações por meio de atividades de investigação e inteligência e recebimento de denúncias. O objetivo dessas atividades de investigação é averiguar a existência do tráfico de animais e detectar os envolvidos.
A análise do Sistema de Cadastro de Criadores Amadoristas de Passeriformes (Sispass) ajuda a identificar procedimentos suspeitos realizados pelos criadores, e assim direcionar operações de fiscalização.
“A utilização de técnicas de inteligência, que permitam conhecer a dinâmica desse fenômeno criminoso e identificar todos envolvidos, representa uma necessidade. Só através dela é possível identificar todos os envolvidos, e não apenas um ou dois elos dessa cadeia criminosa. Além disso, uma boa investigação também representa uma considerável economia de recursos ao fornecer informações precisas para embasar as decisões de natureza preventiva ou repressiva a serem tomadas”, diz Franco Perazzoni, delegado de Polícia Federal.
Com a criação de uma divisão especializada em crimes ambientais e de Delegacias de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico, a Polícia Federal já realizou 14 operações voltadas ao combate ao tráfico de animais e biopirataria, desde 2003.
De acordo com Perazzoni, mais de 10 mil animais ilegais já foram apreendidos, e cerca de 200 prisões ocorreram, com destaque para a Operação Oxossi, deflagrada em março de 2009 em vários estados do Brasil e no exterior (com o apoio da Interpol), e que resultou na prisão de 112 pessoas.