Filé mais saudável e saboroso
17/01/2014 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:00am
Preferência no prato do brasileiro, a carne vermelha é apontada como uma das principais inimigas de uma dieta saudável desde a década de 60 – quando pesquisas sobre o aumento dos ataques cardíacos indicaram uma ligação entre seu alto teor de gordura saturada e o crescimento dos níveis de colesterol ruim, o LDL. Ela é, no entanto, necessária para a construção muscular e o fortalecimento do sistema imunológico, e pode se tornar ainda mais benéfica ao organismo em nova versão desenvolvida pela Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da Universidade de São Paulo (USP).
Ao enriquecer a ração de bois da raça Nelore com selênio, vitamina E e óleo de canola, os pesquisadores criaram uma carne com menos gordura saturada – fonte de ácidos graxos saturados, considerados menos saudáveis pela dificuldade de quebra na digestão – e com mais antioxidantes – que neutralizam os radicais livres, freando o envelhecimento dos tecidos, e estimulam o sistema imunológico.
– O objetivo principal da pesquisa foi criar uma carne mais saudável – conta Marcus Antonio Zanetti, orientador da pesquisa de pós-doutorado assinada por Lisia Correia. – E o resultado foi surpreendente. A carne dos bois utilizados na pesquisa chegou a ter seis vezes mais selênio e quatro vezes mais vitamina E do que a de um animal com alimentação normal.
Sabor ressaltado
Os bois foram alimentados com a ração durante o período de maturação – três meses antes do abate. O óleo de canola foi utilizado por sua capacidade de aumentar os ácidos graxos insaturados, o que tornaria a carne mais magra. Mas, de acordo com Zanetti, a troca de um tipo de gordura por outro poderia modificar o sabor da carne e reduzir seu tempo de vida útil. Para que isso não acontecesse, os cientistas utilizaram o selênio e a vitamina E.
– Por serem potentes antioxidantes, o selênio e a vitamina E reduziram o tempo de oxidação da carne e aumentaram seu prazo de validade. – afirmou Zanetti. – Uma carne menos oxidada, com a gordura menos alterada, também possui melhor sabor.
O aumento da concentração de selênio no sangue do boi também fez com que a sua síntese de colesterol fosse alterada, baixando o nível de LDL.
Após verificar a melhora na saúde do animal e da qualidade da carne, o próximo passo era natural: testar os benefícios do consumo em humanos.
Durante um período de 90 dias, 80 idosos de uma instituição assistencial em Leme, no interior de São Paulo, receberam 150 gramas da carne no almoço e no jantar, três vezes por semana, numa primeira pesquisa aprovada.
As análises de sangue dos idosos comprovaram que a concentração de selênio aumentou em 30%. Os exames para checar a vitamina E e as taxas de colesterol ainda estão em curso.
– A ideia de testar a carne em idosos foi melhorar a sua imunidade, que geralmente é debilitada. Maiores taxas de selênio e vitamina E significaram que eles aumentaram sua resposta imune – ressalta Zanetti.
Encontrado em grande quantidade em alimentos como nozes, castanha-do-pará, gema de ovo e na própria carne de boi, o selênio está em falta na alimentação do brasileiro. De acordo com estudo da faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, apenas no Norte do país, devido ao alto consumo de castanha-do-pará, seu nível de ingestão é equilibrado. O motivo principal seria a falta do mineral nos solos de pastagem.
– O selênio é muito importante, pois protege contra doenças cardiovasculares, inflamatórias e até contra o câncer – explica a nutricionista Haline Dalsgaard. – Além disso, dietas pobres no mineral e em vitamina E podem causar fraqueza e dor muscular, cansaço e falta de concentração.
Presa na burocracia
A versão mais saudável da carne de boi ainda deve passar por muitos testes antes de estar apta para a venda. Segundo cálculos de Zanetti, a suplementação só com selênio aumentaria em apenas R$ 0,20 o custo do quilo da carne, mas um grande empecilho pode mantê-la fora das prateleiras por um bom tempo.
– A venda de carne enriquecida não está regulamentada no Brasil nem pelo Ministério da Agricultura nem pela Anvisa – reclama Zanetti. – Em países da Europa e nos Estados Unidos há uma demanda muito grande por esses alimentos, mas parece que o Brasil ainda não está preparado para isso.
Mesmo com o suplemento, a carne de boi não deve ser consumida mais de três vezes na semana.
– A carne vermelha é mais fibrosa e, por isso, mais difícil de digerir. Por mais que esteja enriquecida com nutrientes importantes, sua recomendação de consumo não é alterada. – alerta Haline – O ideal é que seja consumida em alternância com carnes brancas.