Febre maculosa: zoonose apresenta alta taxa de mortalidade e preocupa saúde pública
15/06/2023 – Atualizado em 15/06/2023 – 5:01pm
Do CRMV-SP
O Instituto Adolfo Lutz confirmou hoje (15/6) mais um óbito por febre maculosa em Campinas, no estado de São Paulo. A vítima é uma adolescente de 16 anos. Até quarta-feira, segundo o Ministério da Saúde, o Brasil registrava 53 casos de febre maculosa em 2023. Com a confirmação, já são dez casos com evolução para a morte do paciente, todos na Região Sudeste, que também concentra a maioria dos registros da doença (30). Além das oito mortes em São Paulo, há confirmadas uma em Minas Gerais e uma no Rio de Janeiro. Com raro acometimento em humanos, sem informação adequada e com sintomas facilmente confundidos com outras doenças, risco de erro de diagnóstico é grande.
Os números atualizados de óbitos em São Paulo contabilizam quatro pessoas que estiveram em uma fazenda no Distrito de Joaquim Egídio, em Campinas, mais um caso, incluído somente ontem, de um adolescente da cidade de Limeira, em março. As regiões com maior frequência de casos são as de Campinas, Piracicaba, Assis e Sorocaba.
A febre maculosa é uma doença infecciosa que acomete e pode levar a óbito tanto humanos quanto alguns animais, embora pela literatura científica seja um achado raro. Transmitida pela picada do carrapato-estrela gênero Amblyomma, que pode ser encontrado em animais de grande porte, como capivaras e cavalos, cães, aves domésticas e roedores, ela tem como seu principal agente etiológico a bactéria Rickettsia rickettsii.
“Os equídeos, roedores – como capivaras – e marsupiais, como o gambá, têm importante participação no ciclo de transmissão da febre maculosa e há estudos recentes sobre o envolvimento destes animais como amplificadores de riquétsias, assim como transportadores de carrapatos potencialmente infectados”, diz o membro da Comissão Técnica de Saúde Pública Veterinária do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), Mário Ramos de Paula e Silva.
A doença é sazonal e tende a surgir nos meses mais frios do ano, acompanhando os ciclos populacionais de carrapatos-estrela jovens. A médica-veterinária Fernanda Battistella Passos Nunes, integrante da Comissão Técnica de Médicos-Veterinários de Animais Selvagens do regional, explica que os sinais clínicos podem ser facilmente confundidos com outras doenças, como dengue e leptospirose.
Diagnóstico
“Os sintomas são subjetivos e facilmente confundidos com uma gripe, ou até mesmo com a covid-19, que são febre, mialgia (dores de cabeça e no corpo), e manchas avermelhadas, iniciando nas mãos e solas dos pés. Por isso, deve-se informar precocemente (até 48 horas do início dos sintomas) que a pessoa frequentou áreas de pesqueiro, sítios, matas, fazendas, ou trilhas ecológicas, locais onde possa ter tido contato com animais e sido picada por um carrapato”, orienta.
Fernanda aponta a alta letalidade da febre maculosa, que chega a 70% no estado de São Paulo, mas ressalta que se trata de uma doença rara, pois menos de 1% da população de carrapatos é infectada pela bactéria. Para que ocorra a transmissão, o aracnídeo precisa ficar preso à pele por, pelo menos, dez horas.
“Contrair febre maculosa é mais raro do que contrair a dengue. Desta forma, sem informação adequada e com sintomas subjetivos, há um risco grande de erro de diagnóstico. Muitas pessoas contaminadas acabam vindo a óbito devido à falta de tratamento adequado precoce”, explica Fernanda.
Ciclo de transmissão
No interior paulista, de acordo com Fernanda, a capivara (Hydrochoeris hydrochaeris) faz parte do ciclo da febre maculosa. Quando são infectadas por carrapatos vetores, as capivaras hospedeiras podem apresentar bactérias na corrente sanguínea (bacteremia) por um período de 10 a 14 dias, amplificando a bactéria para até 25% dos carrapatos que carrega.
“Após esse período, a capivara se torna imune e não participa mais do ciclo de febre maculosa de forma direta. Mas por ser muito prolífera, reproduz filhotes suscetíveis à amplificação da doença, mantendo, assim, o ciclo”, explica a médica-veterinária.
Os carrapatos podem se alimentar de qualquer hospedeiro acidental, inclusive o ser humano, transmitindo assim o agente infeccioso e causando a doença. “Por isso, programas de manejo de controle reprodutivo são métodos eficazes para controlar a doença e devem ser realizados mediante autorizações dos órgãos ambientais, sob recomendação da Secretaria Estadual de Saúde”, reforça Fernanda.
A febre maculosa é uma doença de notificação obrigatória e todo caso suspeito deve ser notificado às autoridades locais de saúde, que irão realizar a investigação epidemiológica e avaliar a necessidade de adoção de medidas de controle.
Fatores de risco
Os principais fatores de risco que aumentam as chances de se contrair a infecção por febre maculosa são áreas com acúmulo de folhas secas, mata, gramado, margens de rios, lagoas e córregos, fazendas e pastos. “Evite estes locais, mas caso não seja possível, use roupas claras, compridas, e botas. A barra da calça deve ser posta dentro das botas e lacrada com fitas adesivas”, orienta Paula e Silva.
Evite caminhar em áreas conhecidamente infestadas por carrapatos e, a cada duas horas, verifique se há algum deles preso ao corpo. “Quanto mais depressa ele for retirado, menores os riscos de infecção. Ao retirá-lo, não o esmague com as unhas, pois com o esmagamento pode haver liberação das bactérias que têm capacidade de penetrar na pele através de pequenas lesões”, alerta o médico-veterinário.
Também não force o carrapato a se soltar encostando agulha ou palito de fósforo quente. “O estresse faz com que ele libere grande quantidade de saliva, o que aumentam as chances de transmissão das bactérias transmissoras da doença. Os carrapatos devem ser retirados com muito cuidado, por meio de uma leve torção, para que sua boca solte a pele”, ensina.
Prevenção e tratamento
Além do controle da infestação de carrapatos, outras ações de prevenção e controle da febre maculosa podem ser tomadas, como evitar contato com as áreas de risco, buscar orientações sobre serviços de saúde, caso haja sintomas, e receber diagnóstico precoce.
Os cães são 10% suscetíveis à febre maculosa, explica Fernanda. Portanto, 10% deles podem apresentar sintomas e adoecer, inclusive podem morrer se não tratados. Os cavalos não adoecem e as capivaras são hospedeiros amplificadores. Elas não morrem, mas amplificam por um período de 10 a 14 dias a bactéria, depois se tornam imunes.
“Se o indivíduo apresenta febre e dores no corpo e esteve em contato com carrapatos nos últimos dez dias, é importante relatar no atendimento médico, uma vez que a mortalidade da febre maculosa é alta e o tratamento utiliza antibióticos específicos. Evite as áreas de risco e se atente com relação aos animais domésticos, que podem levar carrapatos para dentro de casa”, orienta Marcelo Bahia Labruna, professor associado da Universidade de São Paulo (USP).
Cuidados com os pets
Membro da Comissão Técnica de Clínicos de Pequenos Animais do CRMV-SP, Paulo Corte ressalta que a prevenção da doença passa também pela orientação dos médicos-veterinários aos tutores, especialmente de cães, quanto a utilização regular de produtos veterinários ectoparasiticidas (antipulgas e carrapaticidas).
“A febre maculosa é uma zoonose e passa para nós, seres humanos, por meio da picada do carrapato, assim como pegamos dengue pela picada do mosquito. Basta um carrapato contaminado por essa bactéria para passar a doença, por isso a importância de prevenir pulgas e carrapatos nos cães e gatos. É algo essencial para deixar sua família segura”, pondera.
Corte também lembra que, apesar de rara a infecção de animais com a febre maculosa, carrapatos podem transmitir outras doenças mais comuns e tão importantes quanto para os pets, como a babesiose (Babesia SP)e a erliquiose (Erlichia Canis). “Quando encontrados carrapatos no ambiente, também pode ser recomendada a pulverização, que deve ser feita com a devida orientação para que também não cause problemas a saúde humana e animal”, conclui.
Texto elaborado e gentilmente cedido pela Assessoria de Comunicação do Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMV-SP)