Etanol
08/07/2011 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:10am
Em Feira de Santana, na Bahia, eles se transformaram no pesadelo dos produtores rurais. No Oeste de São Paulo, viraram peste de lavoura e até de ruas, e em Minas Gerais, tornaram-se pragas da pior espécie para diversas culturas. Os caramujos africanos invadiram quase todas as áreas agrícolas brasileiras, em todas as regiões, e transformaram-se em uma verdadeira enxaqueca para o agronegócio. Antes de ser um mal para a saúde pública, estes molucos possuem grande poder de provocar desequilíbrio ecológico.
Mas agora, pesquisadores concluíram que esta praga rastejante pode ser benéfica e ter grande utilidade como coadjuvante na produção de etanol de segunda geração, como é chamado o álcool obtido a partir de celulose.
Os estudos com o caramujo africano foram concluídos recentemente pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) e apontam que o aparelho digestivo do bicho, que é um devorador voraz de plantas (este é exatamente o estrago que ele faz nas lavouras e consequentemente, para o meio ambiente), tem enzimas, bactérias e fungos capazes de quebrar moléculas de celulose, resultando na produção de açúcares. Segundo os pesquisadores, várias outras pragas devoradoras de vegetais foram estudadas, mas só o caramujo africano apresentou esta capacidade.
O processo de transformação de plantas em açúcares dentro do organismo do caramujo seria semelhante ao processo realizado na usina. Depois de ingerir o alimento, as bactérias e os fungos que vivem no seu intestino agem conjuntamente com as enzimas e transformam a celulose, rica em lignina, em açúcares. O trato digestivo destes animais (biomassa de molusco) seria comparado ao bagaço que sobra nas usinas, mas com qualidade superior ao fungo trichoderma reesei (organismo atualmente utilizado para fermentar a celulose do bagaço no processo convencional). De acordo com o Inmetro, a biomassa do caramujo poderia passar pelo processo convencional de fermentação para ser transformada em etanol de segunda geração.
Mas as pesquisas e o uso comercial dos caramujos ainda podem estar longe de serem efetivados. De acordo com o pesquisador Wanderley de Souza, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ainda seria necessário encontrar um meio de isolar estes fungos, bactérias e enzimas e fazê-los crescer fora do organismo do caramujo. Segundo Souza, se esta alternativa for logo encontrada e tornar-se economicamente viável, seria possível dobrar a quantidade de etanol de segunda geração produzida no Brasil em um prazo de dois anos, com a mesma área plantada.
Por ser um processo moroso, as usinas queimam o bagaço que sobra da moagem da cana para gerar bioeletricidade e alimentar as instalações internas e exportar o excedente para as redes públicas, através de leilões.
A fabricação do etanol de segunda geração ainda é um gargalo para o setor, já que transformar o bagaço em monossacarídeo é difícil e exige grandes quantidades de tratamentos enzimáticos e ácidos. "A lignina presente nas paredes celulósicas da biomassa são quebradas com dificuldade, o que não aconteceu no intestino do caramujo", explica Souza.
Agora, o Inmetro vai testar e dar continuidade aos testes no Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Migues de Mello, o Cenpes, órgão da Petrobras. Isso inclui gerar um fungo modificado geneticamente para acelerar o crescimento das enzimas do intestino dos caramujos fora do organismo deles.