Estudo

11/06/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 8:48am

Cientistas da UFMG desenvolvem tratamento para a forma canina da doença,
aliando o remédio usado em humanos com a substância alopurinol. Nos
primeiros testes, o índice de cura das cobaias chegou a 50%, mas os
pesquisadores esperam melhorar os resultados
Belo Horizonte – Boa notícia para quem gosta de animais, principalmente de
cães. Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) propõe uma nova forma de tratamento para a Leishmaniose visceral
canina, que resulta em 50% de cura, além da quebra do ciclo de transmissão
da doença para o homem. O estudo foi uma "dobradinha" entre pesquisadores
dos departamentos de Fisiologia e Biofísica e de Parasitologia do Instituto
de Ciências Biológicas (ICB) da instituição, que participam da Rede Mineira
de Nanobiotecnologia e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em
Nanobiofarmacêutica.

A Leishmaniose é uma doença parasitária transmitida pela picada do
mosquito-palha (vetor), que, na sua forma visceral mais severa, tem no
cachorro (hospedeiro) seu principal reservatório da Leishmania chagasi,
protozoário responsável pela doença. No Brasil, são registrados cerca de 5
mil novos casos por ano em homens (nesse caso, a doença se chama
Leishmaniose visceral humana). E estima-se que 5% da população canina do
país esteja contaminada. Enquanto o tratamento em pessoas é feito com
medicamento à base de antimônio, para o animal, o caminho é o sacrifício.
Trata-se de uma medida controversa, já que em outros países, como a Espanha,
os animais são tratados há mais de 50 anos.

A solução sugerida pela UFMG consiste no uso do mesmo remédio usado para os
humanos, o antimonial pentavalente, associado ao alopurinol. Mais que o uso
do medicamento humano, o principal responsável pelo êxito no tratamento é a
forma como ele é administrado, por meio de lipossomas (que são cápsulas em
escala nanométrica) que contêm o medicamento (antimônio).

Quem explica é Frédéric Jean Georges Frézard, pesquisador e professor de
biofísica no ICB: "Os lipossomas são naturalmente capturados pelos
macrófagos, presentes principalmente em órgãos como o fígado, o baço e a
medula óssea. Como os macrófagos são células responsáveis por captar e
eliminar os corpos estranhos do organismo para evitar infecções, em
indivíduos infectados pela Leishmania, esses órgãos ricos em macrófagos são
justamente os que concentram a maior parte dos parasitas. Em outras
palavras, os lipossomas atingem em cheio o maior foco da doença".

Com a nova técnica, a absorção do fármaco nesses órgãos, que era de 0,1%,
cresceu para 45%. Isso proporcionou o uso de uma dosagem cinco vezes menor,
assim como a redução do intervalo das doses, que antes era a cada 12 horas e
passou a ser a cada quatro dias. "Isso proporcionou ganho terapêutico e mais
eficácia no tratamento", avalia Frézard.

Combinação

Mas, de acordo com a pesquisa, o simples tratamento com o antimonial, ainda
que de forma mais eficaz, não é capaz de proporcionar a cura da doença,
porque, no restante do corpo do animal, persistem alguns focos do parasita.
O uso associado do medicamento alopurinol é que permite o combate a esses
focos em todo o organismo.

Frédéric Frézard explica que a pesquisa teve início em 1998. Um dos
principais desafios era quanto à estabilidade do lipossoma, ou seja, a
manutenção de sua estrutura por tempo prolongado. Assim, foi desenvolvido um
lipossoma em forma de pó. Instantes antes de injetar o medicamento no
animal, esse pó é associado ao antimonial (em forma líquida). Essas
"cápsulas" absorvem o medicamento para transportá-lo.

De acordo com o pesquisador, o objetivo agora é alcançar os 100% de cura.
Ele adianta que espera melhorar os resultados usando antes o alopurinol,
para reduzir os focos do parasita de maneira geral, para depois "entrar" com
o antimonial na forma de lipossoma. Outro ponto é aprimorar as "cápsulas",
de forma que elas permaneçam circulando por mais tempo no organismo,
alcançando uma distribuição mais ampla. O processo pode ser usado em escala
industrial.

Experimento

Um dos responsáveis pela parte prática do tratamento foi o pesquisador
Sydnei Magno da Silva. Ele conta que, para realizar a pesquisa, foram
formados seis grupos de animais com diagnóstico de Leishmaniose visceral,
cada um recebendo determinado tipo de medicamento para poder compará-los e
concluir se o tratamento foi eficaz ou não. Os grupos foram divididos da
seguinte forma: um de controle, que recebeu placebo; um ingerindo apenas o
alopurinol; um recebendo alopurinol com lipossomas vazios; um recebendo
apenas lipossomas vazios; um recebendo lipossomas com antimonial; e um
tratado com o lipossoma com antimonial associado ao alopurinol.

"O tratamento consiste em seis doses do lipossoma com antimonial, uma a cada
quatro dias, associado a 140 dias (uma cápsula ao dia) do alopurinol",
explica Silva. Depois, foram feitos exames nos animais. Para confirmar a
cura ou não, 60 dias após o tratamento, os testes foram repetidos. Também
foi estudada a capacidade do animal transmitir a doença para o vetor,
avaliada como nula. Além do percentual de 50% de cura, os outros 50%
apresentaram melhora significativa, chegando a ter aproximadamente 600
vezes menos parasitas na medula óssea, revela o pesquisador.

Depois de concluir o estudo, os pesquisadores têm um novo desafio. É que em
2008, uma portaria interministerial (1426/2008), de autoria do Ministério da
Saúde e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, proíbe o
tratamento da Leishmaniose visceral canina com medicamentos de uso humano. O
documento alega diversas razões, algumas contestadas pelos pesquisadores,
como a falta de um medicamento ou esquema terapêutico que garanta a eficácia
do tratamento canino e a redução do risco de transmissão da doença a partir
dos cães no período de tratamento. Há o temor também de que se desenvolvam
organismos resistentes aos medicamentos disponíveis para o tratamento da
Leishmaniose em seres humanos.