Emergentes sustentam preços do leite
23/12/2013 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:00am
O aumento da demanda por lácteos em países emergentes, sobretudo na China, e o crescimento moderado da produção nas principais regiões fornecedoras do mundo estão sustentando os preços do leite no mercado internacional. E a sinalização, dizem especialistas, é que as cotações vão ficar em patamares ainda elevados no próximo ano – mesmo que abaixo dos atuais -, pois o consumo não dá mostras de arrefecimento.
Esse cenário, aliado à perspectiva de que o dólar continuará se valorizando em relação ao real, deverá inibir as importações brasileiras de lácteos e poderá viabilizar exportações pontuais de leite em pó por parte de empresas brasileiras.
Levantamento do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) aponta que os preços do leite em pó integral na Oceania – onde está a Nova Zelândia, maior exportador mundial de lácteos – estão em alta praticamente desde o início do ano, com algumas oscilações. (ver tabela)
No último leilão global de lácteos realizado pela plataforma Global Dairy Trade (GDT) – referência para o mercado -, no dia 17 deste mês, as cotações tiveram uma queda de 1,5% em relação ao pregão anterior (dia 3) e ficaram em US$ 4.958 por tonelada, ainda próximos do patamar de US$ 5 mil alcançado novamente em 2013 depois de cinco anos.
O consumo chinês explica em grande medida o comportamento dos preços. E a recente decisão do governo da China de afrouxar a política de filho único no país pode significar uma demanda ainda maior nos próximos anos para lácteos, principalmente para as chamadas fórmulas infantis, reconhecem dirigentes de gigantes do segmento, como Nestlé e Fonterra.
De acordo com o USDA, as importações de leite em pó integral da China deverão alcançar 535 mil toneladas este ano, 32% acima de 2012. Já as de leite em pó desnatado vão aumentar 28%, para 215 mil toneladas, fazendo do país asiático o maior importador individual do produto. A perspectiva é de novos incrementos no ano que vem, quando as importações somadas dos dois produtos pela China tendem a alcançar 900 mil toneladas. Em 2009, somaram 247 mil toneladas, segundo o USDA.
Theo Spierings, CEO da cooperativa neozelandesa Fonterra, que esteve no Brasil semana passada, disse acreditar que os preços internacionais vão continuar sustentados por mais nove a 12 meses em decorrência da demanda forte. O ritmo de alta, contudo, deverá diminuir, pois valorizações muito grandes motivam uma substituição por outros produtos, afirmou.
Preços altos são positivos para o produtor, mas preços muito altos não são bons , disse ele em entrevista na inauguração do novo centro de distribuição da DPA – joint venture entre Fonterra e Nestlé – em Araras, no interior paulista.
Marcelo Pereira de Carvalho, analista do MilkPoint, consultoria especializada em lácteos, diz que a seca afetou a produção de leite na Nova Zelândia, onde o Rebanho é criado a pasto, no primeiro semestre deste ano. Agora, a produção está em seu pico no país, mas os preços seguem firmes por causa da demanda. A produção em outras regiões do mundo também avança, mas não muito. Na Argentina, a produção está estagnada, a Europa não avança, nos EUA deve crescer só 1,5% e na Nova Zelândia, de 4% a 5% , estima Carvalho.
Como reflexo das cotações elevadas no mercado internacional e da alta do dólar, os preços no Brasil ficaram mais competitivos. Conforme os cálculos de Carvalho, o leite importado chegaria ao Brasil pelo equivalente a R$ 1,40 por litro, considerando um câmbio de R$ 2,30 e a tonelada a US$ 4.900 por tonelada. Enquanto isso a matéria-prima no Brasil está em R$ 1,00 por litro. Já compensa exportar , observa.
Laércio Barbosa, diretor do Laticínio Jussara, afirma que apesar de as importações de lácteos terem ficado mais caras, os volumes ainda não diminuíram o tanto que poderiam . De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), as importações de lácteos somaram 983,8 milhões de litros em equivalente de leite no acumulado do ano até novembro, uma queda de 13,5 ante igual intervalo de 2012.
Para o analista do Milkpoint, os preços internacionais deverão passar por um ajuste para baixo no segundo semestre de 2014, já que as cotações mais elevadas registradas recentemente tendem a estimular a produção, ampliando a oferta. Não é possível, porém, estimar o tamanho da queda, dada a volatilidade que esse mercado enfrenta nos últimos anos.
Mas, na avaliação de Rafael Ribeiro, especialista em lácteos da Scot Consultoria, as cotações internacionais não deverão voltar aos patamares de US$ 3.000 a US$ 3.500 observados entre 2011 e 2012. A razão, corrobora ele, é a forte procura da China e também de países do Oriente Médio.
Ele lembra que há uma mudança de hábito alimentar no país asiático, reflexo do aumento da renda. Além disso, os casos de contaminação de lácteos na China também geram incertezas em relação à qualidade do produto local. Os casos de contaminação estimulam a importação porque criaram desconfiança entre os consumidores chineses , diz ele. Ribeiro concorda que os preços hoje inibem as importações por parte do Brasil e poderão até favorecer as exportações por empresas brasileiras.
Nem os analistas ouvidos pelo Valor nem o próprio CEO da Fonterra arriscam estimativas sobre o eventual aumento de consumo que poderá ocorrer a partir da mudança na política de filho único na China. Mas todos concordam que o impacto deverá ser positivo para o segmento de lácteos nos próximos anos. Em novembro, o governo chinês anunciou que vai permitir que casais tenham dois filhos, caso o homem ou a mulher sejam filhos únicos. Atualmente, os casais chineses podem ter apenas um filho, exceto em algumas áreas do país.
A China precisa de mais pessoas porque em dez anos eles não terão gente o suficiente para tocar as indústrias do país, já que a população está envelhecendo. Então, o país vai ser mais flexível com a política de filho único. Isso significa mais consumidores, o que é bom para os lácteos. Estou muito otimista , afirmou Theo Spierings, da Fonterra, a mais importante fornecedora de leite para a China.
O CEO da Nestlé, Paul Bulcke, também mostra otimismo com as mudanças futuras na China, país que já é o segundo maior mercado para a companhia suíça atrás apenas dos EUA. Bulcke, que também esteve em Araras para a inauguração do centro de distribuição da DPA, afirmou que a Nestlé deve ser beneficiada por ser uma empresa que está muito ligada às crianças . Ele acrescentou que o país precisa [flexibilizar a política] porque está envelhecendo e precisa de juventude .
No entanto, afirmou, ainda é difícil saber o quanto a medida vai significar em termos de crescimento . Cauteloso, Bulcke disse que a nova política só terá repercussão em quatro a cinco anos. Em meados de novembro, porém, a mudança na política já teve efeito positivo sobre as ações da Nestlé, empresa listada na bolsa da Suíça (Six Swiss Exchange).