Em defesa da produção
24/03/2010 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:27am
Especialistas da ONU vão voltar a analisar o papel da indústria da carne nas mudanças climáticas, depois que um relatório sobre o tema foi acusado de exagerar a relação entre os dois fenômenos.
Um relatório de 2006 concluiu que a produção de carne é responsável por 18% das emissões de gases nocivos ao ambiente. Pelo relatório, a indústria da carne polui mais do que o setor de transporte.
O relatório vem sendo citado por ativistas e celebridades que fazem campanha por dietas mais baseadas em vegetais, como o ex-beatle Paul McCartney. No ano passado, o músico lançou uma campanha com o lema Menos carne igual a menos calor.
Mas uma nova análise, apresentada em um encontro científico nos Estados Unidos, afirma que a comparação com o transporte é equivocada.
Mais fome – Reduzir a produção e o consumo traria benefícios menores ao meio ambiente do que o que se acreditava, afirma o cientista Frank Mitloehner, da Universidade da Califórnia em Davis (UCD).
Pecuária mais inteligente, não menos pecuária, é igual a menos calor, disse ele na conferência da Sociedade Americana de Química, em San Francisco. Produzir menos carne e leite só vai significar mais fome em países pobres.
Algumas figuras centrais no debate sobre mudanças climáticas – como o diretor do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), Rajendra Pachauri – têm citado o índice de 18% produzido pelo relatório como um motivo para as pessoas reduzirem seu consumo de carne.
O relatório de 2006 – intitulado A Grande Sombra do Gado, publicado pela FAO, a agência da ONU para alimentação e agricultura – chegou ao índice de 18% somando todas as emissões de gases nocivos ao ambiente associados à produção de carne, desde a fazenda até a mesa. Isso inclui a produção de fertilizantes, técnicas para abrir campos, emissões de metano da digestão dos animais e uso de veículos em fazendas.
Transporte – No entanto, o professor Mitloehner afirma que os autores do relatório não calcularam as emissões do setor de transporte da mesma forma, se limitando a usar dados do IPCC que só incluem queima de combustíveis fósseis. Essa análise tendenciosa é uma clássica comparação de maçãs com laranjas, que realmente confundiu o assunto, disse ele.
Um dos autores do relatório da FAO, Pierre Gerber, disse à BBC que aceita a crítica feita por Mitloehner. Eu tenho que dizer que, sinceramente, ele tem razão em um ponto – nós analisamos tudo na produção de carne, e não fizemos a mesma coisa com transporte, disse ele. Mas o resto do relatório eu creio que não foi realmente contestado.
A FAO está preparando agora uma análise mais abrangente de emissões do setor de alimentos, disse Gerber. O relatório será concluído até o final do ano e deve permitir comparações mais precisa entre diferentes tipos de dietas – tanto com carne como vegetarianas. Organizações usam métodos diferentes para alocar emissões entre setores da economia.
Em uma tentativa de capturar tudo que é associado com produção de carne, a equipe da FAO inclui contribuições, por exemplo, de transporte e desmatamento. A metodologia usada pelo IPCC separa emissões de desmatamento em uma categoria diferente, mesmo que algumas árvores tenham sido derrubadas para contribuir para a agricultura. O mesmo acontece com o transporte. Por isso, para alguns analistas, o índice de 18% de emissões produzidas pela indústria da carne no relatório da FAO é tão elevado.
A maioria das emissões relacionadas à indústria da carne vem da abertura de campos – feita por desmatamento – e das emissões associadas à digestão de animais.
Outros cientistas argumentam que a carne é uma fonte necessária de proteína em algumas sociedades com pouca diversidade de alimentos, e que em regiões do leste africano e do Ártico não há possibilidade de plantas sobreviverem.
Nesses lugares, a dieta baseada em carne é a única opção. Mitloehner afirma que em sociedades desenvolvidas, como nos Estados Unidos – onde as emissões do setor de transporte chegam a 26% do total, comparado com 3% da pecuária – a carne é o alvo errado das campanhas de redução de ambições.