Credenciamento no Concea
22/03/2010 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:27am
Mais de um ano após a aprovação da Lei Arouca, que trata do uso de cobaias em pesquisas e no ensino, entrou em funcionamento no País o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). Como o próprio nome diz, um dos principais objetivos do órgão, vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, é aumentar o controle da utilização de cobaias e garantir o cumprimento das normas para o uso ético de animais.
Hoje não há no Brasil informações sobre o número de cobaias criadas e utilizadas em laboratórios e em aulas em universidades. Essa é uma das questões que o Concea terá de responder.
A indicação dos 28 integrantes do conselho, entre titulares e suplentes, foi feita em dezembro. Há representantes de ministérios, da Academia Brasileira de Ciências, da Federação Brasileira de Indústria Farmacêutica e de sociedades protetoras dos animais, entre outros. No fim de fevereiro, o pesquisador da Fiocruz Renato Cordeiro foi nomeado coordenador do conselho.
O próximo passo será o cadastramento no Concea das instituições que usam ou criam cobaias – as mais utilizadas no País são ratos e camundongos, diz Cordeiro. A partir do registro será mais fácil mapear a situação da experimentação animal no País.
Para se credenciar no Concea, as instituições precisam ter comitês de ética – muitas delas já possuem. Os comitês têm a responsabilidade de aprovar os estudos que necessitam de animais. Uma das metas do conselho é que as agências de financiamento só liberem auxílios para pesquisas cujos projetos tenham sido autorizados previamente por esse tipo de comitê.
Na opinião da professora Julia Matera, do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), por vários anos a experimentação animal "ficou muito solta" no País. Ela acredita que o Concea ajudará a organizar a atividade. Uma das complicações é que podem existir vários biotérios – locais que criam cobaias – em cada universidade. "Se houvesse um só seria mais fácil o controle." Na USP, por exemplo, há biotérios em diferentes faculdades.
Para a professora da USP Regina Markus, que representa no Concea a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a implementação do conselho "é um momento que concretiza uma luta de vários anos". Ela foi alvo de ativistas contra a experimentação animal em 2008, na reunião anual da SBPC em Campinas. Durante protesto, os manifestantes jogaram tinta vermelha em Regina.
No mesmo ano, uma sala de cultura de célula onde se fazia estudo sobre malária teve fios de computadores cortados e vidros quebrados. O ato foi assinado pela Frente de Libertação Animal.
Regina avalia que manifestações como essas acabaram por conscientizar diferentes setores sobre a necessidade de uma legislação. "Avançamos muito desde então." Para a professora, "paradoxalmente, um dos principais ganhos é que o Brasil disporá de um espaço oficial para a análise e o incentivo de métodos alternativos ao uso de animais". Isso porque uma das primeiras medidas do conselho foi criar quatro câmaras permanentes: de pesquisa, ensino, criação de animais e métodos alternativos (que evitam o uso de cobaias).
Descobertas – Renato Cordeiro destaca que vários avanços ocorreram com a ajuda dos experimentos animais, como as vacinas contra pólio, sarampo, febre amarela, meningite e gripe. "Jamais chegaríamos ao estágio atual dos transplantes renais e de fígado e também das pesquisas com células-tronco, uma das grandes esperanças da humanidade, sem os animais de laboratório."
Métodos alternativos
Métodos alternativos ao uso de animais vêm ganhando força, especialmente nas aulas. Alunos podem aprender com manequins de silicone de cães, gatos e ratos. Também são úteis programas de computador e DVDs.
Renato Cordeiro, da Fiocruz, exemplifica. Em uma aula tradicional de fisiologia cardiovascular seria preciso um cão, mas hoje é possível usar um CD-ROM. "Ele pode ser utilizado diversas vezes, em muitas aulas, por muitos anos." Mas ele ressalta que, "quando se passa para a etapa de residência ou estágios, o contato com os animais vivos é pertinente e essencial."
Ana Maria Guaraldo, presidente do Conselho de Ética no Uso de Animais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conta que várias disciplinas deixaram de usar animais porque já há vídeos de aulas práticas. Há quase uma década, o Instituto de Biologia abriu mão de cães em aulas práticas ou pesquisas.
Segundo Júlia Matera, da USP, laboratórios têm sofrido imensa pressão da sociedade e, para não correr o risco de no futuro deixar de vender produtos experimentados em animais, investem em métodos alternativos. Em 2009, ela participou de um congresso sobre o assunto na Itália. Ela conta que a Universidade Johns Hopkins, em Baltimore (EUA), já possui um Centro de Alternativas para Testes em Animais.