Clima
26/07/2011 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:09am
Com o aumento da temperatura da Terra e o derretimento de grandes blocos de gelo no Ártico, as barreiras naturais que antes isolavam alguns animais estão deixando de existir.
Isso tem levado ao aparecimento de espécies híbridas, resultantes de acasalamentos inesperados. O que ninguém sabia é que esse comportamento também ocorreu há pelo menos 100 mil anos e resultou no urso-polar atual. O episódio do passado representou uma reviravolta surpreendente na evolução dos ursos, como mostra um estudo de cientistas dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Diferentemente do que se imaginava, os maiores mamíferos do Ártico têm raízes irlandesas e britânicas, e não são provenientes do Alasca. Segundo a pesquisa realizada pelos biólogos Beth Shapiro, da Universidade da Pensilvânia; Ceiridwen Edwards, da Universidade de Oxford; e Daniel Bradley, do Trinity College Dublin, a linha de ursos-polares moderna descende de uma hibridização com uma população extinta de ursos-marrons que viviam nas proximidades do que hoje são a Grã-Bretanha e a Irlanda, e não de ursos pardos que vivem nas ilhas Admiralty, Baranof e Chichagof, na costa do Alasca. “Esse evento provavelmente ocorreu pouco antes ou durante a última era glacial”, diz Daniel Bradley.
De acordo com os cientistas, a descoberta pode ajudar a elucidar questões sobre estresses climáticos e dar pistas de quando e onde exatamente eles ocorreram. “Essa abordagem fornece um meio de voltar no tempo e medir diretamente o movimento de espécies em resposta às mudanças climáticas do passado”, esclarece Bradley.
Segundo Beth Shapiro, o acasalamento entres duas espécies diferentes geralmente ocorre quando mudanças climáticas os forçam a mudar de hábitat. “A hibridização entre as duas espécies ocorreu num momento em que os seus hábitats se sobrepuseram”, aponta. Para os autores do estudo, esses dados são muito importantes porque podem ajudar a compreender os movimentos desses animais num período de alterações climáticas.
Dentes analisados
De acordo com o artigo dos três pesquisadores, publicado na revista científica Current Biology, os ursos que viviam na Irlanda entre 43 mil a 38 mil anos atrás, antes da chegada da última idade do gelo, têm o mesmo perfil genético das espécies pardas que vivem hoje na Europa Oriental. Porém, o DNA dos ursos que viveram na Irlanda antes disso, durante a época glacial, apresenta sequências semelhantes às dos ursos-polares da atualidade.
Para chegar a essa conclusão, os cientistas analisaram dentes e esqueletos de 17 ursos-pardos antigos, encontrados em oito grutas da Irlanda. “As temperaturas baixas e constantes das grutas protegeram o material genético dentro dos ossos”, lembra Shapiro. Por meio do sequenciamento do DNA mitocondrial dos ossos recuperados nas grutas e de ursos de diferentes períodos, foi possível comparar os perfis genéticos desses animais e rastrear a história evolutiva desses animais.
A análise do DNA mitocondrial — material genético que é passado de mãe para filhos — mostrou que são os ursos-pardos da Irlanda os ascendentes maternos de todos os ursos-polares modernos. “A sequência mitocondrial substitui as sequências anteriores de toda a população de ursos-polares”, explica Shapiro.
luz das novas provas apresetadas na pesquisa, os cientistas acreditam que pode ser prudente proteger híbridos, incluindo os recentemente avistados no Canadá. “Enquanto as populações vulneráveis de ambas as espécies de ursos são atualmente protegidas, o status de proteção de híbridos é menos clara”, escrevem os pesquisadores no artigo.
Processo atual
Algo semelhante parece estar ocorrendo no presente. O aquecimento global atinge a região do Ártico com uma intensidade duas ou três vezes maior do que outras partes do planeta, redesenhando o ambiente em que dezenas de mamíferos terrestres e marinhos vivem. Em particular, a diminuição da calota polar ártica — que até o fim do século deve desaparecer durante os verões, caso não ocorra um grande corte nas emissões de gases de efeito estufa — tem empurrado os ursos-polares para fora de suas áreas de caça normal. Isso pode explicar o aparecimento de híbridos de urso-pardo e polar, observados em 2006 e em 2010, no Canadá.
O que não se sabe é quais podem ser as consequências da mistura de ursos-polares e pardos hoje em dia. Na opinião do biólogo Claúdio Hermes Maas, responsável técnico pelo Zoológico de Pomerode, em Santa Catarina, que cuida de cinco ursos-pardos, a mistura pode representar a evolução das espécies na busca pela sobrevivência. “Como o fluxo desses animais está sendo dificultado por estresses climáticos ou pela ação do homem, isso pode estar ocasionando um processo de criação de novas espécies a partir das que já existem”, considera.
“O acasalamento do urso-marrom com o polar pode unir duas características importantes para a sobrevivência das espécies: a boa adaptação a climas quentes e frios e a diferentes tipos de alimento dos pardos com a excelente capacidade de nadar dos polares”, sugere.
No entanto, Daniel Bradley ressalta que a pesquisa dele e de seus colegas não conclui se, no passado, a hibridização teve um valor adaptativo positivo. Especialistas temem que a hibridização represente o fim dos ursos-polares, que já estão ameaçados. Certo é a importância de se estudar a hibridização de espécies, seja há 100 mil anos, seja no futuro, pois o fenômeno pode dizer muito sobre as condições climáticas da Terra. “Entender o processo evolutivo desses animais e saber suas origens nos ajuda a entender seu processo evolutivo e o cenário de cada época”, pontua o biólogo brasileiro.
Dieta variada
Os ursos-pardos são onívoros, comem de cervos, renas, restos de baleias mortas, focas, peixes e aves a frutas, plantas e raízes. Esses animais são considerados oportunistas e dão preferência a alimentos calóricos.