CIÊNCIA

15/05/2013 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:00am

Gastronomicamente, o hambúrger de 150 gramas criado por Mark Post não vai ganhar fãs. Mas o cientista quer aproveitar e mudar alguns conceitos com ele.

O hambúrguer, montado a partir de pequenos pedaços de músculo bovino criado em laboratório e que será cozido em um evento em Londres em algumas semanas, será a prova ao mundo — e a alguns financiadores — que a chamada carne de laboratório, ou carne artificial, é uma realidade.

"Quero mudar a discussão de "isso não vai funcionar" para "isso funciona, mas precisamos de verba para trabalhar"," disse Post em uma entrevista em seu escritório na Universidade aastricht, na Holanda.

Em seu laboratório com incubadoras cheias de recipientes transparentes contendo um líquido rosado, um técnico tem a delicada tarefa de cultivar as dezenas de bilhões de células necessárias para fazer o hambúrguer, a partir de um tipo específico de células retiradas do pescoço de vacas.

A ideia de criar carne em laboartório — tecido animal de verdade, não um substituto feito a partir de soja ou outras fontes de proteína — existe há décadas. Os argumentos de defesa são vários, cobrindo as questões de Bem estar animal e proteção ao meio ambiente.

Um estudo de 2011 no periódico Environmental Science and Technology , mostrou que a produção em grande escala de carne artificial poderia diminuir o uso de água, terra e energia, bem como as emissões de metano e outros gases estufa, em comparação com a pecuária tradicional.

Estes argumentos só vão se fortalecer, dizem os defensores, conforme a demanda por carne aumentar por causa do aumento da classe média em países emergentes.

Post, um dos poucos pesquisadores da área, avançou suas pesquisas com o uso de precursoras de células-tronco que podem se tornar células de músculos, com técnicas adaptadas de pesquisas médicas no campo da engenharia de tecidos.

Hambúrguer mais caro do mundo

Mas a criação de carne articial tem se mostrado difícil e inacreditavelmente cara. Tanto que Post tem adiado o "churrasco" de seu hambúrguer por repetidas vezes. Ele deveria ter acontecido em outubro de 2012 .

Seu "hambúrguer" consiste em 20.000 tiras de tecido muscular cultivado. O cientista fez alguns testes informais de sabor e afirma que, mesmo sem gordura, o gosto é "razoavelmente bom". Para o evento em Londres a ideia é temperá-lo apenas com sal e pimenta.

Mas a carne é produzida com materiais de origem animal, que deverão em algum momento ser substituídos. E o custo total de produção do hambúrguer foi de 250 mil euros (cerca de 650 mil reais), bancados por um doador anônimo. Um cenário em que a carne artificial esteja nas gôndolas do supermercados ao lado da convencional, com preços similares, está ainda muito distante.

"É uma tecnologia muito inicial," diz Neil Stephens, um sociólogo da Universidade de Cardiff, no País de Gales, que estuda o desenvolvimento desse tipo de iniciativa. "Ainda existe muito a ser aprendido".

também existem questões de segurança alimentar — embora Post e outros pesquisadores afirmem que a carne artificial deva ser tão seguro quanto a convencional, e talvez até mais saudável — e sobre o apelo de consumo de um produto que possa parecer muito pouco com um bife suculento. "É muito novo," afirma Stephens. "As pessoas ainda brigam com a ideia se isso é realmente carne".

Post conhece bem os obstáculos.

"Eu vejo os entraves, provavelmente melhor que todo mundo," diz. "Mas você tem que ter fé nos avanços tecnológicos, eles resolverão os problemas". E como com qualquer tecnologia, os custos eventualmente devem baixar. Leia também: Investidor aposta em carne artificial produzida por impressão 3D Biólogo acredita que falta pouco para criação de bife artificial Especialistas indicam o que fará parte do cardápio nos próximos 20 anos

A carne artificial deverá ter algumas vantagens de custo em relação à convencional, acredita Hanna Tuomisto, cuja pesquisa da Universidade Oxford, Inglaterra, foi a base para o estudo de 2011. "A produção será mais eficiente; apenas a carne é produzida, não as outras partes".

Gabor Forgacs, pesquisador da Universidade de Missouri e fundador da empresa Modern Meadow, que quer desenvolver e comercializar carne arfificial, também conhece os problemas.

"Levar a carne in vitro ao supermercado vai ser difícil e controverso," diz Forgacs, cujo método de produção é parecido com o de post. Ele também criou tecnologias de bioimpressão 3D que podem ser usadas para criar tecidos mais espessos.

Por causa das dificuldades, a Modern Meadow está se focando em criar couro artificial, em um processo que não usa células-tronco, e sim fibroblastos de pele, células especializadas que produzem colágeno.

"Existem muitos paralelos com carne artificial, com a diferença que não é tão polêmico porque não se come couro," afirma Forgacs. "Mas se podemos convencer o mundo que é possível construir couro no laboratório, será muito mais fácil convencê-lo depois que também é possível construir carne".

Em seu trabalho na Holanda, Post usa um tipo de célula-tronco que o corpo usa para reparar tecidos musculares danificados. As células, que são encontradas em determinadas partes do músculo, são removidas do pescoço de necas e colocadas em um meio de cultura.

Através de muita tentativa e erro, os pesquisadores aprenderam como fazer as células se multiplicarem, dobrando seus números diversas vezes ao longo de três semanas. Ainda assim, são necessários bilhões delas.

As células são colocadas em um pouco de gel, em uma placa de plástico. Os nutrientes do meio de cultura são reduzidos, o que as faz passar fome e força sua diferenciação em células musculares. "Usamos sua tendência natural de se diferenciar," explica Post. "Não é mágica".

Ao longo do tempo as células diferenciadas formam fibras musculares primitivas, começam a acumular proteína e se organizam em elementos contráteis. Esta organização acontece por causa de uma técnica de ancoragem desenvolvida por Post, que faz com que as células se liguem a um elemento e desenvolvem tensão entre si.

O resultado é uma tira fina de tecido de 1,2 centímetros, que mais parece um espaguete cor de rosa. As tiras têm que ser finas porque as células têm que ficar próximas de uma fonte de nutrientes, para não morrer. Se a ideia for criar tecidos mais espessos – um filé mignon artificial, em vez de carne moida como no hamburguer — é necessário criar uma rede de canais que distribua nutrientes nas células, que seriam o equivalente a vasos sanguíneos. (Um bife também teria que ter gordura criada e incorporada, algo que Post ainda não teve que fazer com seu hambúrguer).

Post vê vantagens em seu uso de células-tronco, mas outros especialistas dizem que há um limite na sua capacidade de multiplicação, e elas significam que a carne artificial de Maastricht sempre terá origem animal, porque é necessário um fornecimento constante de tecido muscular para novas células.

Outros pesquisadores estão estudando tipos diferentes de células-tronco que podem se reproduzir indefinidamente, garantindo um fornecimento autonômo de material.

Na Universidade de Utrecht, por exemplo, pesquisadores estão tentando isolar células-tronco embrionárias de porcos e bois. E Nicholas Genovese, da Universidade de Missouri, quer desenvolver um tipo de célula-tronco "induzido" a partir de uma célula adulta comum. Uma célula de pele de porco talvez possa ser transformada em uma célula-tronco que se reproduz indefinidamente e se diferencie em células musculares para criar carne de porco artificial.

Post responde às críticas dizendo que outros tipos de células criam outros problemas, e que se sua abordagem ainda cria a necessidade de gado, pelo menos é de menos gado que hoje.

"Eu não sou por natureza uma pessoa apaixonada," acrescenta. "Mas acredito fortemente que isto pode ter um grande impacto na sociedade. E isto é o que mais me motiva".