CFMV Entrevista – Médico veterinário Gerson Norberto assume a direção do zoológico de Brasília

17/10/2016 – Atualizado em 31/10/2022 – 8:46am

Por Roberta Machado

Quando ainda era estudante do curso de Medicina Veterinária, Gerson de Oliveira Norberto começou a sua carreira como estagiário no Zoológico de Salvador. Quase duas décadas depois, acumula doze anos na direção da instituição, uma pós-graduação em gestão de áreas ambientalmente sensíveis, uma vasta experiência com o manejo de espécies selvagens ameaçadas além da presidência da Comissão de Animais Selvagens e Meio Ambiente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA).

O currículo diferenciado garantiu ao médico veterinário posição de destaque no concorrido processo seletivo para a gestão da Fundação Jardim Zoológico de Brasília, a mais antiga instituição ambientalista do Distrito Federal. No último dia 5 foi oficializada a nomeação de Norberto para o cargo de diretor-presidente da fundação.

Sob a tutela do novo gestor ficarão a saúde e o bem-estar de mais de 1,4 mil animais de mais de 200 espécies e uma estrutura que ocupa 140 hectares que atrai 1,5 milhões de visitantes todos os anos.

Em entrevista à Assessoria de Comunicação do CFMV, Gerson Norberto fala sobre seus planos para o novo cargo, e sobre o desafio de recuperar a imagem dos zoológicos num momento em que a eficiência dessas instituições tem recebido críticas. Confira:

 Ascom/CFMV – O Sr. poderia comentar sobre os projetos que realizou nos anos que trabalhou no Zoológico de Salvador?

Gerson Norberto – Nós saímos do Zoológico de Salvador, com a consciência de que deixamos ali um produto muito nobre e valioso, pois conseguimos elaborar o planejamento geral da instituição. Desenvolvemos 34 projetos de intervenções macro. E dentre esses, seis grandes projetos já foram instalados. Parte desses projetos foram apresentados como o currículo para o cargo no Zoológico de Brasília, e a comissão de seleção viu que eu tinha o conhecimento para poder implantar as melhorias pertinentes ao zoológico de Brasília também.

Ascom/CFMV – Qual é o enfoque desses projetos desenvolvidos em Salvador?

Gerson Norberto  Todos os projetos focam no maior bem-estar dos animais, criando áreas de refúgio para os mesmos e ainda garantindo uma grande visitação do público. Para se ter uma ideia, em 2007 o parque recebia uma visitação de 17 mil pessoas por mês e hoje atinge 45 mil. Esse é um crescimento muito grande de visitação, e implica na mudança de como se torna viável o acesso do público aos setores ou recintos de cada animal, protegendo-os e promovendo pontos de refúgios a todas a espécies. Mudamos muitas áreas que tinham grades ou telas por barreiras físicas como vidro, correntezas de água, cachoeiras, que promovem uma proteção acústica e física, e ao mesmo tempo permitem que o público tenha uma experiência positiva ao visitar cada espécie, resguardando e garantido o bem estar de todos os animais.

Ascom/CFMV – O foco dessas medidas então eram esses dois pontos: facilitar o acesso do público ao animal e proteger os animais?

Gerson Norberto – Sim. Tudo parte da premissa de se respeitar a biologia e o comportamento do animal. São adaptações para cada espécie. Aplicamos alguns conceitos de recintos mistos, de ambientes coletivos, que permitem que as espécies executem comportamentos como defesa de território, que são comportamentos naturais e que precisam vir à tona. Essas intervenções, associadas à medicina veterinária preventiva, permitiu que chegamos à taxa de nascimento de 250 filhotes por ano, o que é muito bom.

Ascom/CFMV –  Como foi o processo de seleção para o zoológico de Brasília?

Gerson Norberto – O que se faz aqui repercute no país inteiro. E no edital se falava em propor um modelo de gestão novo, que tornasse a gestão do Zoológico de Brasília mais eficiente no sentido administrativo e financeiro. Talvez, por exemplo, propor uma PPP, uma parceria público-privada. Então como tudo o que se faz em Brasília repercute nos outros zoológicos pelo Brasil, eu vi ali uma oportunidade de aplicar esse modelo de gestão, ou pelo menos corroborar para que ele aconteça aqui em Brasília de uma forma eficiente, de uma forma muito positiva, e assim poder mostrar para outros parques no Brasil o quanto isso é viável e desta forma difundir esse conceito.

Ascom/CFMV –  Por que o Sr. acredita que essa mudança no modelo de gestão é necessária nos zoológicos brasileiros?

Gerson Norberto – Temos zoológicos sendo massacrados porque o veterinário não consegue fazer isso, ou o biólogo não consegue fazer aquilo, mas quando se avalia a fundo cada situação, há três ou quatro processos solicitando as intervenções ou os produtos solicitados, muitas vezes por meses ou até anos, e os técnicos do Zoo amarrados porque o orçamento do município ou do estado não tem recursos para aquilo. Quando você parte para um modelo de gestão que operacionaliza um zoológico dentro de um conceito empresarial, com planejamento e metas bem definidas, dando a ele uma maior agilidade, você consegue ser mais eficiente, mais econômico e viável tanto financeiramente como ecologicamente, pois conseguira cumprir sua função conservacionista de forma pragmática. Temos espécies no Brasil extremamente ameaçadas e que podem desaparecer, porque na mudança de governo você corre o risco de perde a sua equipe técnica, o recurso que tinha para aquela atividade, que poderia ser por exemplo o recinto ideal para reproduzir aquela espécie. A extinção de espécies silvestres em nosso planeta segue um ritmo tão frenético que uma ação ou projeto conservacionista interrompido sem uma ração pertinente, pode condená-la a desaparecer antes que o projeto possa ser retomado.

"" Foto: Ascom/CFMV

 

Ascom/CFMV –  Qual é o principal papel dos zoológicos? Porque é importante mantê-los funcionando?

Gerson Norberto –  O grande papel do zoológico hoje é acabar com o paradigma de ser uma instituição meramente mantenedora de animais para o bel-prazer da população. Precisamos levar o zoológico para outro patamar, que é se tornar uma ferramenta atuante, a ser utilizada na conservação de animais silvestres. Esse é o desafio que enfrentamos hoje.

 Ascom/CFMV –   Como os zoológicos podem ajudar na conservação animal, e também na conscientização da população?

Gerson Norberto – Tem um dado muito importante que foi publicado por um colega nosso do Parque Ecológico de São Carlos/SP, o Fernando Magnani. Ele faz um estudo sistematizado dos zoológicos no Brasil e ele levantou um dado muito relevante: nós, os zoológicos do Brasil, atraímos hoje mais visitantes do que o campeonato brasileiro de futebol. O visitante, quando vem no zoológico, não pode vir aqui passar por uma experiência negativa. Isso pode ser desde um bebedouro que não está funcionando até um ambiente de um animal, por onde ele passa e tem água suja ou um animal que parece ser malcuidado, ou um animal que tenha algum tipo de lesão. Isso não serve para sensibilizar o público em relação à relevância de cuidar daquela espécie para preservá-la. Precisamos focar 100% do tempo em gerar uma experiência positiva para nosso público. Então o cuidado diário de um zoológico é extremamente importante, pesado e complexo. Nós tratamos de uma gama de variáveis que não podem falhar porque esse público grande que passa por aqui precisa entrar e sair com uma mensagem positiva.

Quanto as atividades técnicas voltadas a conservação dos animais, nosso foco está relacionado à medicina preventiva, aos cuidados com nutrição animal especializada, aos estudos do comportamento das espécies, à reprodução. E tudo isso direcionado para "produzirmos" um plantel de animais aptos a serem disponibilizados ou encaminhados para áreas de soltura, de recuperação ou revigoramento populacional. Estas duas ultimas são parte do escopo de atividades que os Zoológicos devem realizar em campo, in situ, nos locais naturais onde as espécies vivem.

 Ascom/CFMV –   Como os médicos veterinários e outros profissionais dos zoológicos entram nessa questão?

Gerson Norberto – Os melhores profissionais do Brasil que temos trabalhando com clínica e comportamento de animais selvagens estão nos zoológicos do Brasil, ou de alguma forma atuando próximos a estes. Então os zoológicos precisam ser essas ferramentas que utilizam o seu conhecimento em prol desses animais com os quais nós trabalhamos, e aplicar isso na prática. Os zoológicos precisam sair do muro onde estão situados e atuar nos seus territórios. O zoológico de Brasília precisa atuar no Distrito Federal inteiro, e em outros biomas do pais ou do planeta, sendo a grande ferramenta de manejo e conservação de espécies selvagens. Toda vez que um órgão ambiental, polícia ou Ibama por exemplo,  apreendem um animal e o levam para um Cetas, o zoológico tem de estar lá ajudando para que aquele animal se reabilite e volte para a vida livre. É como se um centro de triagem fosse um ambulatório de emergência e o zoológico fosse um grande hospital de alta complexidade. É daqui que têm de sair as informações e procedimentos mais complexos para ajudar naquele caso e encaminhá-lo para soltura o quanto antes.

 

Ascom/CFMV- É possível adiantar por que tipo de mudanças o zoológico de Brasília vai ter de passar nos próximos anos?

Gerson Norberto –   Temos um setor de borboletário, um setor de berçário, um grande setor de aviário de imersão. Temos o esqueleto pronto ali. Precisamos fazer uma reforma estrutural e botá-los na ativa. Entendo que esses setores serão mais fáceis, no curto prazo, para o público perceber. Porque são áreas que já existem no parque e que vão receber uma outra leitura de funcionalidade e serão colocadas em uso. Num prazo mais longo, serão intervenções mais complexas, com os recintos maiores, de animais de grande porte que serão requalificados. Aí não tem como ter previsão ainda. Porque precisamos ter um bom projeto, com embasamento, para podermos captar os devidos recurso e, na sequência, executar o novo projeto.

Ascom/CFMV – A princípio, todas as atividades atuais do zoológico serão mantidas?

Gerson Norberto –   Brasília continua produzindo muito dado técnico. Existe um setor veterinário, um setor de educação ambiental com projetos muito importantes. O que precisamos neste momento é tabular todos esses dados e dar tornar publica estas informações. Existe um projeto em que a diretoria atual está atuando que é de reformulação do site do zoológico, será um site que vai trazer muito mais informação do dia-a-dia do Zoo para que a população comece a conhecer todas as nuances do nosso querido Zoológico de Brasília.

Ascom/CFMV – Mas também seria necessário outro tipo de intervenção nos zoológicos brasileiros, além da estrutural? Algo que trouxesse estímulo aos animais?

Gerson Norberto –   Isso entra numa das coisas mais trabalhosas e às vezes até mais onerosas para um zoológico que é o trabalho de enriquecimento ambiental. O trabalho do corpo técnico do zoológico e dos veterinários não é só alimentar e tratar fisiologicamente o bicho. É preciso prover condições para que os animais tenham um bom monitoramento psicológico, evidenciadas na elaboração de etogramas sistemáticos. Isso envolve atividades diárias de enriquecimento, de entretenimento, no sentido de prover condições para que ele execute o seu comportamento natural.

Assessoria de Comunicação do CFMV