carne

06/02/2013 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:05am

Vinte anos após Larry Goodman ter salvo sua companhia da beira da falência, o barão irlandês do setor de carnes está em dificuldades para conter um escândalo que ameaça a reputação de sua empresa e do setor alimentício irlandês.

Maior exportador de carne bovina da Europa, o Food Group ABP foi engolido pelo "escândalo da carne de cavalo" após a descoberta de que sua subsidiária Silvercrest Foods produziu hambúrgueres contendo 29% de carne de equino. Na semana passada, o Burger King, a Tesco, a Asda e a Cooperative abandonaram, todas, a Silvercrest como fornecedora de hambúrgueres. Os contratos valiam mais de € 50 milhões para a Silvercrest, que opera uma fábrica na Irlanda.

A companhia é agora alvo de ações judiciais de varejistas, que tiveram de retirar dezenas de milhões de hambúrgueres das prateleiras. "Parece ser um caso de quebra de contrato, que é o paraíso para advogados", diz Hilary Ross, especialista em alimentos e sócia na firma de advocacia britânica DWF. "Processos cobrando indenizações são prováveis".

No Reino Unido, em audiência numa comissão parlamentar na semana passada, a Tesco acusou a Silvercrest de uma "grande quebra de confiança" devido à utilização de um produto para recheio de carne de origem polonesa não aprovada. O Burger King diz estar "profundamente preocupado" com a contaminação por carne de cavalo e passou a comprar de fornecedores na Alemanha e na Dinamarca.

"É difícil imaginar como a procesadora da Silvercrest poderá recuperar sua reputação, o que é uma tragédia para os 112 trabalhadores da fábrica", diz Ciara Jackson, analista de alimentos da consultoria Grant Thornton, com sede em Dublin. Ela diz que a Foods ABP conseguiu evitar danos colaterais, mas perguntas inevitavelmente serão feitas sobre se falhas em uma processadora podem ter ocorrido em outras unidades produtoras.

Goodman tem condições de absorver o prejuízo da Silvercrest, que representa 4% da receita de € 2,5 bilhões da ABP Foods. Mas os danos à reputação de seu império como um todo são um problema. Ele é uma figura controvertida na Irlanda, onde envolveu-se em investigação judicial instalada pelo governo e centrada em sonegação fiscal e negligência no setor de carne bovina no início dos anos 1990. "A investigação teve motivação política e concorrencial", disse ele ao "Financial Times" em rara entrevista, no mês passado.

Goodman foi um grande exportador de carne bovina para o Iraque durante o reinado de Saddam Hussein. Sua empresa entrou em colapso em 1990, devido a dívidas relacionadas com seus negócios com carne no Iraque, após a invasão do Kuwait. A partir de então, ele reconstruiu sua empresa.

A ABP Foods pediu desculpas aos seus clientes pela contaminação por carne de cavalo e substituiu a administração responsável pela operação em Silvercrest. Sua fábrica em Monaghan, na Irlanda, foi fechada, e é improvável que seja reaberta. Mas ainda restam dúvidas sobre a origem das falhas de contaminação e de gestão.

As autoridades de segurança alimentar irlandesas, que descobriram a contaminação quando da adoção de um novo teste de DNA, em novembro, informam ter já identificado a origem em um fornecedor polonês. Mas as autoridades polonesas disseram não ter encontrado nenhuma evidência de contaminação em sua processadoras. "Essas acusações não fundamentadas por qualquer prova substancial são inaceitáveis, independentemente de a quem se refiram", disse Stanislaw Kalemba, MINISTRO DA AGRICULTURA da Polônia, ao jornal "The Irish Times".

A incerteza sobre a fonte de contaminação poderá prejudicar as exportações do agronegócio irlandês, que movimenta 9 bilhões de euros. Patrick Wall, professor de Saúde Pública na University College Dublin, diz que o escândalo é "um espetacular "gol contra" do setor privado irlandês", bem como da empresa. "Isso mostra que as marcas e a reputação de uma empresa são tão SEGUROS quanto os padrões praticados por seu fornecedor mais fraco", diz ele.

Na Irlanda há mais gado do que gente. Com um Rebanho de 6,75 milhões de cabeças, o país é o quarto maior exportador de carne bovina no mundo, com vendas anuais de 1,8 bilhão de euros. O país tem planos para começar a exportar para a China, Japão e EUA quando as cotas de laticínios da UE forem abolidas, em 2015 – uma decisão que facilitará a ampliação do Rebanho nacional.

Organizações agrícolas estão defendendo uma regulamentação mais rigorosa sobre as processadoras e maior rastreabilidade de produtos importados. "Persiste uma grande interrogação: por que havia produtos importados nos hambúrgueres, se a Irlanda é um enorme país produtor de carne", diz Henry Burns, um criador irlandês de gado que possui 160 cabeças.

A Bord Bia, agência fiscalizadora irlandesa diz que até agora o dano foi "razoavelmente contido". "A percepção é muito baixa fora do Reino Unido e da Irlanda, e os consumidores associam esse problema apenas a produtos de carne barata", diz Aidan Cotter, executivo da Bord Bia. "Isso não é visto como sendo um problema irlandês". Mas, à medida que a polêmica repercute, Goodman e o setor alimentício irlandês permanecerão em alerta máximo.