ARTIGO: Ameaça à segurança dos alimentos
07/06/2024 – Atualizado em 07/06/2024 – 2:23pm
Méd. Vet. M.Sc. Gerard Vicente Dantas de Medeiros (CRMV-RN 0324)
Méd. Vet. Rachiel Eduardo Silva Rebouças (CRMV-RN 0837)
Graduando Méd. Vet. Wirton Peixoto Costa Filho (Mat. UFERSA 2023011185)
Méd. Vet. D.Sc. Wirton Peixoto Costa (CRMV-RN 0309)
Para reconhecer a importância da oferta constante de alimentos saudáveis, a ONU comemora hoje, 07 de junho, o DIA MUNDIAL DA SEGURANÇA DOS ALIMENTOS. Para lembrar essa data, o Conselho Federal de Medicina Veterinária decidiu mostrar à sociedade brasileira a imprescindibilidade da atuação do Médico Veterinário em garantir uma oferta constante, segura e saudável de produtos alimentícios de origem animal, o que inclui a carne, o leite, o pescado, os ovos e os produtos de abelhas, bem como os seus derivados.
Hoje vamos falar do queijo, um alimento de origem milenar. Um queijo saudável, do ponto de vista sanitário, não significa simplesmente um produto de propriedades sensoriais agradáveis (visual, olfativa e, principalmente, gustativa). Ou seja, um queijo pode ter uma boa apresentação nas prateleiras dos supermercados, mas caso não sejam respeitadas algumas condições higiênico-sanitárias e tecnológicas durante as etapas do seu processamento, transporte e conservação, nos pontos de venda e consumo, pode ser uma poderosa fonte de transmissão de doenças ao homem, em especial as causadas por bactérias patogênicas e suas toxinas, tais como Salmonella spp., Staphylococcus aureus, Clostridium botulinum, Escherichia coli, Listeria monocytogenes, Coxiella burnetii e Shigella spp., entre outras espécies.
A história do queijo[1] remonta há tempos antiquíssimos[2] e, como tal, está ligada à história da domesticação dos animais. Os antigos gregos creditavam a descoberta do queijo a Aristeu, rei da Arcádia, filho de Apolo e Cirene, há cerca de 12.000 anos. Antigamente chamado de leite solidificado, o queijo tem sido utilizado ao longo do tempo como uma forma de preservação do leite. Relatos de achados arqueológicos revelam a existência de queijos feitos a partir de leite de vaca e de cabra, desde 6.000 anos a.C. e em escritos de Aristóteles há referência também de queijos derivados de leite de égua e jumenta. Murais em tumbas egípcias mostram cenas de consumo, fabricação e veneração de queijo no Antigo Egito e a Bíblia cita-o no Velho Testamento. Aliás foi na Idade Média, pela atuação de Monges Católicos, que se aprimorou a higiene na fabricação e conservação de queijos.
Esse produto atravessou diferentes civilizações, modos de produção, burgos, feiras, centros e rotas comerciais importantes, como as cidades de Mégara (667 a.C.), Bizâncio (330 d.C.) e Constantinopla (1453 d.C.), a atual Istambul. Em 1837 Louis Pasteur chamou a atenção do mundo, demonstrando que o azedamento do leite era provocado por micro-organismos. Em 1921 a New York State Agricultural Experiment Station empregou de forma rotineira cortes histológicos em queijos, corados com azul de metileno, para a determinação do número de bactérias.
No ano de 1952 Getúlio Vargas assinou o decreto que aprovava o primeiro Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), tornando obrigatória a inspeção e a pasteurização do leite para consumo humano. A lei 5.517/1968 impera que é da competência privativa do Médico Veterinário a assistência técnica e sanitária aos animais sob qualquer forma, em consonância com a jurisprudência atual que determina aos estabelecimentos cuja atividade básica seja a utilização de insumos de origem animal, tais como laticínios, ter como responsável técnico um Médico Veterinário na condução dos trabalhos.
É pacificado que, para os fins legais, entende-se por leite, sem outra especificação, o produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas. Nas décadas de 1960 e 1970, foram desenvolvidos procedimentos para contagem eletrônica (quantitativa) das células somáticas presentes no leite. Entretanto, para uma análise adequada e que proporcione uma avalição crítica desse parâmetro, é fundamental atentar-se para a realização de avaliação qualitativa destas células, bem como de outras substâncias indesejáveis que eventualmente podem estar presentes. Outros fatores relacionados com a alteração dos seus componentes são as lesões da glândula mamária, que podem resultar no aumento da passagem de substâncias do sangue para o leite, tais como uma grande carga de células inflamatórias, imunoglobulinas, toxinas e outras proteínas séricas.
Portanto deve-se reconhecer que animais sadios secretam leite com aspectos físico-químicos e microbiológicos dentro dos padrões de normalidade e isso reflete o seu status sanitário, condição sine qua non para a sua utilização na alimentação humana de forma segura.
Ademais, ressaltamos a importância do uso racional de produtos de uso veterinário, como antibióticos e hormônios reprodutivos, que podem deixar resíduos no leite destinado ao consumo humano, se não forem utilizados de maneira adequada, sob acompanhamento de um profissional habilitado, ou seja, unicamente o Médico Veterinário. Tais substâncias podem causar inúmeros prejuízos à saúde humana, como desenvolvimento de bactérias resistentes, alergias, destruição da flora bacteriana intestinal, aumento de casos de câncer de ovário, de mama e próstata e puberdade precoce em crianças. Nesse interim, já podemos notar que a atuação do Médico Veterinário deve preceder ao trabalho dentro dos laticínios, ou seja, para se obter uma matéria-prima de boa qualidade, o Médico Veterinário Responsável Técnico-Sanitário tem a obrigação de conhecer pormenorizadamente a sanidade dos animais e de seus produtos nas propriedades, garantindo assim a implementação de boas práticas agropecuárias e que a matéria-prima que chegue às indústrias de laticínios seja realmente apta ao consumo e cumpra com a sua função tecnológica e nutricional.
Nesse contexto, em situações de falha na sanidade, podem ocorrer variações nos componentes do leite, o que irá interferir diretamente na fabricação do queijo, seu rendimento, aspectos sensoriais, nutricionais e sanitários. O consumo de queijos sem a devida inspeção sanitária e industrial, que obrigatoriamente deve ser conduzida pelo profissional Médico Veterinário, pode ocasionar inúmeros prejuízos à saúde pública e aos interesses dos consumidores, revelando assim o seu valoro papel dentro do contexto social de garantir o direito a alimentos seguros. Assim, reconhece-se que apenas uma profissão está na intercessão entre as saúdes animal, humana e ambiental: a de Médico Veterinário.
Infelizmente há casos corriqueiros de danos à saúde das pessoas, relacionados ao consumo de alimentos incriminados, inclusive causando sequelas graves e mortalidade[3]. Hoje relatamos a história de uma família do Rio Grande do Norte, ocorrida há cerca de 20 anos. Pai, mãe e filho (este com aproximadamente três anos) ingeriram um “queijo” e os adultos apresentaram um quadro de infecção intestinal leve. Entretanto o filho, por ter o sistema imune ainda em formação, não teve a mesma sorte. A criança fora internada com desidratação e toxinfecção alimentar, evoluindo para encefalopatia tóxica[4] (salienta-se que há toxinas que não são inativadas pelo calor). Hoje esse jovem tem pouco mais de 20 anos e vive em coma vegetativo.
Ora, mas o leitor poderia dizer: estatisticamente é um caso isolado! No entanto, reiteramos que não é um caso fortuito e que todos os dias acontecem no sistema de saúde do Brasil, mas infelizmente não é adequadamente contabilizado e notificado. Segundo a OMS estima-se que, anualmente, mais de um terço da população mundial adoeça devido a intoxicação alimentar, mas que somente uma pequena proporção destes casos é notificada. E mais: para aquela família o dano causado foi de 100%, mesmo que a forma grave da doença não tenha provocado sequelas aos seus outros membros. A vida de cada ser humano importa!
Sendo assim, neste Dia Mundial da Segurança dos Alimentos e com essa História Real, o CFMV vem alertar à sociedade sobre a importância de se consumir alimentos seguros, inspecionados. Que possamos cobrar a presença legal de um Médico Veterinário, para garantir a inspeção de produtos de origem animal, prevenindo problemas desta natureza, ofertando às famílias brasileiras alimentos saudáveis, conforme garantido pelo nosso ordenamento jurídico.
Méd. Vet. M.Sc. Gerard Vicente Dantas de Medeiros (CRMV-RN 0324) – conselheiro efetivo do CRMV-RN
Méd. Vet. Rachiel Eduardo Silva Rebouças (CRMV-RN 0837) – fiscal federal agropecuário do Mapa
Graduando Méd. Vet. Wirton Peixoto Costa Filho (Mat. Ufersa 2023011185) – estudante de Medicina Veterinária e estagiário de inspeção de Produtos de Origem Animal
Méd. Vet. D.Sc. Wirton Peixoto Costa (CRMV-RN 0309) – professor da Ufersa e vice-presidente do CRMV-RN
[1] Alcamin, Matheus Borges de. Análise Historiográfica da produção de queijo na alimentação humana / Matheus Borges de Alcamin. — Barretos, 2017. 30 f.
[2] National Historic Cheesemaking Center Museum. History of cheese. https://nationalhistoriccheesemakingcenter.org/history-of-cheese/
[3] Chaidoutis E, Keramydas D, Papalexis P, Migdanis A, Migdanis I, Lazaris AC, Kavantzas N. Foodborne botulism: A brief review of cases transmitted by cheese products (Review). Biomed Rep. 2022 May;16(5):41. doi: 10.3892/br.2022.1524. Epub 2022 Mar 15. PMID: 35386113; PMCID: PMC8972315.
[4] Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual integrado de vigilância, prevenção e controle de doenças transmitidas por alimentos
/ Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2010. 158 p. : il. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos).