A difícil convivência com os javalis asselvajados

28/01/2014 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:00am

Se for avaliar pela aparência, ele estaria condenado e pelas atitudes, com prisão perpétua, falamos do javali asselvajado que tem assustado os produtores rurais de algumas regiões de Mato Grosso do Sul, por sua fisionomia um tanto assustadora e ataques às lavouras de milho. A notícia boa é que o animal não é um problema somente sul-mato-grossense, o javali está presente em mais de 100 países, impulsionando iniciativas de controle. A má é que essa espécie exótica à fauna brasileira, segundo a União Internacional para Conservação da Natureza, está entre as 100 piores espécies invasoras do mundo.
Impactos ambientais, econômicos e sociais decorrentes da invasão de javalis e seus híbridos no Brasil não são 100% conhecidos e os riscos sanitários de sua expansão em vida livre também. Sabe-se, porém, que Leptospirose, Influenza, hepatite E, toxoplasmose, brucelose, salmonela e Escherichia coli são Zoonoses comuns nesses animais e na maioria dos casos não apresentam sinais clínicos e lesões. É uma transmissão perigosa tanto para os humanos quanto para os animais domésticos. Sua presença ainda dispersa plantas daninhas e altera os processos ecológicos.

Economicamente, o comportamento do javali acarreta prejuízos ao setor agropecuário, direta e indiretamente. "A sanidade é fator decisivo para expansão da pecuária e comércio internacional e os javalis podem interferir", alerta a pesquisadora Virgínia Santiago Silva, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. "Esses animais são suscetíveis a doenças e comprometem o nosso Rebanho bovino. É um risco sanitário", completa.

Nas lavouras, os ataques da malhada arriscam tanto uma safra que o Ministério da Agricultura solicitou à Embrapa um projeto nacional com tal foco. Desde então, pesquisadores e técnicos das Unidades de pesquisa próximas às regiões mais afetadas se dedicam à problemática. Em Mato Grosso do Sul, os dados recentes obtidos pelos especialistas da Embrapa em um talhão de 531 hectares apontaram que da estimativa de produtividade (kg/ha) de 4.035 toneladas de milho safrinha, 646 toneladas, o correspondente a 16%, foram perdidas por javalis. "Isso que o produtor perdeu é o lucro a mais que teria. O javali causa danos terríveis como a Helicoverpa e toda a cadeia produtiva perde", destaca Euclides Maranho, analista da Embrapa e integrante do grupo de trabalho em MS.

A situação complica-se quando legalmente somente em 2013, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), através da IN n.° 03 de 31/01/2013, declarou a nocividade do javali e estabeleceu regras para o seu controle, evidenciando como o manejo do animal e suas estratégias de monitoramento são relativamente recentes. Olhando para trás, no final da década de 80 já havia registros de uma invasão de javalis no Rio Grande do Sul que seguiu décadas seguintes e por outros estados. "Atualmente foi notificada a presença em mais de 15 estados brasileiros", pontua o major da Polícia Militar Ambiental de MS, Carlos Magno.

"Não tínhamos uma norma para abate de espécie exótica invasora asselvajada. Agora o Ibama estabeleceu os critérios, mas além disso há questões sanitárias envolvidas, regulamentação com armas de fogo, todo um universo de fatores, por isso é necessário integrar esforços e instituições para conversar e pensar sobre, sem isso não haverá resultado algum. O problema é de todos e a solução precisa ser buscada por todos", reflete a pesquisadora Virgínia Santiago da Embrapa.

A Instrução Normativa considera como controle populacional do javali, a perseguição, abate, captura e marcação seguida de soltura e o Ibama estabeleceu uma série de condições para esses procedimentos. Para Virgínia, normatizadas, as entidades, inclusive os produtores rurais que vivenciam o convívio nada amigável com a espécie, podem direcionar as iniciativas. Para o técnico Euclides Maranho, tal atenção precisa mesmo ser redobrada, pois "há produtores que tentaram o controle com cercas eletrificadas e isso não resolveu, cães adestrados que foram atacados pelos animais e patrulhas humanas 24 horas circulando na propriedade e nada disso adiantou".

Em Mato Grosso do Sul, durante a edição 2014 do Showtec, um painel sobre o impacto do javali na agricultura do Estado reuniu pesquisa, extensão, entidades legais, sindicatos rurais e produtores para debater o assunto e por sugestão do major da PM, Carlos Magno, uma comissão para acompanhar, monitorar e aperfeiçoar métodos será estabelecida. "Todos nós perdemos e o trabalho é nosso , reforça. Com legalidade, organização, integração e pesquisa, a realidade dos javalis pode ser alterada.