A Ciência prevalece sobre o achismo

04/10/2013 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:00am

Tempos atrás escrevi neste espaço que havia pessoas que mais se interessavam naquilo que poderia render comercialmente, do que verdadeiramente com a questão da Leishmaniose Visceral Canina. De profissionais da Medicina Veterinária à formadores de opinião, incluindo a imprensa, pessoas se vangloriavam com a liminar concedida em desfavor da Portaria 1.426/2008, conjuntamente assinada pelos Ministérios da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Nesse período, alguns profissionais chegaram a se manifestar e afirmaram que o Conselho Federal de Medicina Veterinária estaria perseguindo os Médicos Veterinários, por entender que mesmo sob a suspensão da portaria, nenhum profissional deveria recomendar ou tratar cães portadores da LVC.

Enfim, fizeram um verdadeiro estardalhaço com a liminar concedida e, vejam, sendo um documento uma simples liminar, não o mérito. Algumas revistas especializadas chegaram a afirmar que o Conselho estava descumprindo uma decisão judicial. Não contestamos a decisão, apenas fizemos esclarecer a questão, e este deveria ser o papel de qualquer publicação imparcial, esclarecer, e não tomar partido naquilo que desconhece, quer do ponto de vista jurídico quer do ponto de vista como profissional da Medicina Veterinária.

A decisão judicial a que me refiro tinha ocorrido no sentido de dizer que o Medico Veterinário não tinha nenhum impedimento para prescrever medicamentos da linha humana para serem usados em animal. No entanto, jamais a Justiça autorizou o tratamento da Leishmaniose, como inúmeras pessoas interpretaram, tomando o posicionamento como verdade. Surge agora a decisão sobre o mérito, o que significa dizer que a liminar foi cassada e revigorada a Portaria 1426/2008, do MS/MAPA.

Eis, parte da decisão judicial:

“No caso dos autos, vislumbro situação emergencial, que diz respeito à saúde pública em toda sua gravidade. Não obstante a existência de vários artigos científicos juntados aos autos, tem máxima relevância material científico recente (de 06/06/2013), oriundo da Unidade de Parasitologia da Universidade de Lisboa, apontando a existência de crescente resistência ao medicamento utilizado para combater a leishmaniose humana e que vem sendo utilizado para tratar a mesma doença em cães,”

Na decisão proferida pelo Desembargador Federal consta o que se segue:

“A perspectiva de legitimar, ainda que limitadamente, em casos específicos (é bom frisar esta especificidade) a eutanásia canina desagrada a qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade. Entretanto, a situação é grave: em Campo Grande/MS temos foco da doença e não podemos deixar que, ainda que em tese, se vislumbre a possibilidade de morte de seres humanos por ineficiência medicamentosa em razão do uso do remédio em cães. A mortalidade da doença, nesta cidade, alcança assustadores 8% da população humana infectada e, repita-se, diante do estudo atualizado e que subsidia a corporificação de uma situação de risco para a saúde destas pessoas doentes, impõe-se uma medida judicial que coacte o perigo evidente.”

E continua:

“Neste contexto, entendemos que a portaria do Conselho dos Médicos Veterinários de nº 1426/2008, ao menos neste momento processual, extremamente delicado, deve ser encarada (com as limitações que ora serão colocadas com o uso do poder geral de cautela) como um instrumento para a salvaguarda da saúde pública (valor de índole constitucional), não havendo que se questionar sua eventual intromissão na atividade do Médico-veterinário, quando praticados atos administrativos realizados sob o seu manto, pois tais atos são imantados pela necessidade constitucional imperiosa de se garantir a integridade física dos cidadãos de nosso país. Grosso modo, poderíamos comparar com a vedação que existe para a administração de certos medicamentos pelos médicos (como, v.g. a morfina, apenas administrável em ambientes hospitalares), que se justificam por que a liberdade profissional encontra limites nos valores maiores que o plexo constitucional prima em manter.”

E mais:

“É certo que o mesmo se pode dizer da taxa extremamente preocupante de letalidade humana da leishmaniose na cidade de Campo Grande – 8%. Também se pode dizer que não necessariamente esta taxa está a crescer em razão da transmissão via canina. Mas, entre os dois raciocínios que não apresentam a característica lógica da necessidade, em um momento emergencial, com qual ficar? A resposta é que se deve apostar na defesa da vida humana, mesmo sem a certeza absoluta de que a eutanásia canina, tal qual vem sendo praticada, venha solucionando o problema. Corrobora este fato o de que a resistência ao antibiótico utilizado (que é o mesmo para cães e humanos) é fato incontroverso, até por que postulado científico.”

“Primeiramente, não se pode, ainda mais tratando de situação de urgência, se questionar das políticas públicas de controle da leishmaniose em sua profundidade.”

Finaliza:

“Por estes motivos, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de suspensão da decisão ora recorrida, permitindo a utilização da Portaria 1426/2008, desde que a eventual eutanásia canina a ser praticada seja precedida da realização dos dois testes acima mencionados e também antecedida de criteriosa avaliação do Médico-Veterinário pertencente aos quadros públicos.”

Assim, àqueles que falaram de forma irresponsável quanto à posição do CFMV, àqueles que usaram veículos de comunicação para criticar a posição assumida pelo CFMV, que analisem a decisão judicial, que tenham a hombridade, a humildade, o altruísmo de analisarem o seu posicionamento. Escrevo estas palavras sabendo que jamais se curvarão à ciência, pois o que lhes interessa são outros fundamentos, talvez escusos. Vitória da sensatez, eis o resumo.

Médico Veterinário Benedito Fortes de Arruda
Presidente