Espécie

23/02/2011 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:20am

Na evolução das espécies, quem não se adapta corre o risco de desaparecer. O Microgadus tomcod, peixe da família do bacalhau encontrado no Hemisfério Norte, definitivamente não quer sumir do leito do Rio Hudson, em Nova York. Poluído depois de três décadas de acúmulo da substância bifenila policlorada (PCB), altamente tóxica, o local se tornou um ambiente inóspito. O tomcod, no entanto, desenvolveu uma mutação genética que permitiu não apenas sua sobrevivência, mas uma espécie de “milagre da multiplicação”.

O gene mutante, descrito em artigo da revista científica Science, tem como única função proteger o peixe dos efeitos letais da PCB, despejada aos montes no Hudson entre 1929 e 1976 por fábricas de suprimentos eletrônicos. Calcula-se que o total do produto tóxico lançado ao rio tenha chegado a 600t, até a prática ser proibida. De acordo com os pesquisadores, o tomcod precisou “agir” imediatamente. “Descobrimos que a mutação aconteceu muito rapidamente, e apenas um gene foi responsável por ela”, disse ao Correio o geneticista populacional Isaac Wirgin, professor de medicina ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York. “Não existem muitos exemplos como esse na literatura científica”, afirma.

Há tempos os cientistas tentavam entender os mecanismos biológicos que permitiram a sobrevivência do tomcod. Medindo cerca de 25cm na fase adulta, o peixe, que não é normalmente usado na culinária, precisa viver sob níveis altos de poluição. Wirgin diz que a toxicidade no pulmão do animal é uma das mais altas já registradas e que outros peixes não sobreviveriam à alta exposição à PCB, que é cancerígena.

Durante
quatro anos, o pesquisador e colegas de Nova Jersey e Massachusetts capturaram tomcods com uma caixa especial, tanto em áreas altamente contaminadas quanto naquelas menos poluídas. A época de captura foi o inverno, quando o peixe se prolifera no rio. Os espécimes foram estudados em busca de variantes genéticas e de um gene que decodifica uma proteína conhecida por regular os efeitos tóxicos da PCB, o receptor arilhidrocarbono (AHR2). Esse gene também está envolvido com a mediação de efeitos de outros compostos de halogênicos de hidrocarbonetos, um grupo que inclui bifenila policlorada.

Discretas alterações — a supressão de seis pares de AHR2 no DNA — parecem proteger o tomcod da substância tóxica, diz o estudo. Normalmente, quando o gene inalterado entra em contato com a PCB, ele desencadeia reações que transmitem os efeitos tóxicos do componente para o organismo. Mas, na pesquisa, os cientistas constataram que, no gene variante, isso não ocorre. Wirgin explica que, mesmo em águas limpas, o tomcod, ocasionalmente, carrega essa mutação. “Isso sugere que a variante já existia, em menor proporção, antes da poluição por PCB”, diz.

Os animais que adquirem a mutação levam vantagem sobre os demais indivíduos da espécie, que, sem a mutação, desenvolvem um tipo letal de defeito cardíaco. “Acho que a evolução aconteceu ao longo de milhares de gerações. Mas especificamente aqui, no Rio Hudson, tudo aconteceu memoravelmente rápido”, afirma Wirgin.

Apesar de esse tipo de reação ter sido observada anteriormente em bactérias e insetos que desenvolvem resistência a alguns inseticidas, não é algo comum em animais de porte maior. “Realmente, é a primeira demonstração de um mecanismo de resistência genética na população vertebrada”, diz o biólogo. “Além disso, encontramos um único receptor em um gene que fez com que essa evolução acontecesse rapidamente.”

Efeitos nocivos
Para o principal cientista envolvido no estudo, Mark E. Hahn, a pesquisa fornece “a primeira evidência de seleção natural ocorrendo ao longo de um tempo relativamente curto, mudando as características da população”. Por meio da assessoria de imprensa da Universidade de Nova York, ele afirmou que “esse é um exemplo de como a atividade humana pode levar à evolução das espécies, introduzindo fatores de estresse no meio ambiente”.

Embora seja uma boa notícia para o tomcod, não se pode dizer o mesmo dos predadores do peixe, e menos ainda dos humanos. “O peixe sobrevive, mas continua acumulando PCB em seu corpo e o transmite para quem o comer”, conta Hahn. “Esse animal se reproduz no inverno e, no verão, é o principal componente da dieta de outros peixes. Isso pode levar a uma transferência anormal de substâncias contaminadas à cadeia alimentar”, explica. Além disso, a mutação pode torná-lo mais sensível a outros elementos. “Por exemplo, a variante poderia afetar a habilidade do peixe de quebrar certas moléculas químicas, como os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs).” Dessa forma, embora protegido contra o PCB, o peixe continua ameaçado pela poluição