Escravidão Animal

19/02/2014 – Atualizado em 31/10/2022 – 8:57am

Inteligente, sociável, comunicativa e com fortes laços familiares. Qualidades que deixariam qualquer pessoa feliz em tê-las, mas que também podem ser usadas para descrever as orcas. Popularmente conhecidas como baleias assassinas (apesar de não haver registros de uma ter matado um ser humano na natureza), elas na verdade são cetáceos da família Delphinidae , a mesma dos golfinhos, e uma, chamada Tilikum, é a personagem central de um documentário que reacendeu a polêmica sobre a captura e exibição destes e outros animais em aquários e espetáculos circenses.

Lançado nos EUA em janeiro do ano passado durante o prestigiado Festival de Sundance, Blackfish entrou em cartaz nos cinemas americanos em julho de 2013 e obteve grande repercussão ao mostrar a dura realidade da vida das orcas mantidas em cativeiro nos parques da franquia SeaWorld, chamando atenção para as sequelas físicas e psicológicas que elas sofrem. Dirigido por Gabriela Cowperthwaite – que teve a ideia de fazer o filme ao ver a notícia da morte da treinadora Dawn Brancheau, agarrada e puxada para o fundo da piscina por Tilikum pouco antes de uma apresentação no SeaWorld de Orlando, na Flórida, em fevereiro de 2010 -, o documentário estreia este mês no Brasil no serviço de vídeo sob demanda Netflix.

– Com a profusão atual de câmeras de vídeo e celulares, temos cada vez mais registros de eventos e situações que mostram o quanto algumas espécies de animais de fato têm uma condição cognitiva diferenciada – conta o biólogo Salvatore Siciliano, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (ENSP/Fiocruz) e especialista em cetáceos. – Estamos vendo um acúmulo de evidências concretas de que alguns animais, em especial cetáceos como golfinhos e orcas, são, sim, inteligentes, com uma profunda percepção de si próprios e do ambiente que os circunda, às vezes em uma escala que vai muito além da que nós mesmos, seres humanos, estamos habituados.

Sinais de inteligência e sensibilidade 

Siciliano cita entre os exemplos destas evidências vídeos que fizeram sucesso nas redes sociais da internet recentemente, como um que mostra um golfinho levantando as barbatanas para que um mergulhador o ajudasse a se soltar de uma linha de pesca em que ficou preso e outro de uma orca imitando o som do motor de um barco para um menino que estava a bordo.

– Fica claro nos vídeos que estes não são comportamentos instintivos, mas advindos de algum tipo de cognição – afirma. – No caso do golfinho, isso fica ainda mais evidente pelo fato de que o mergulhador tinha uma faca na mão, o que prova que ele teve a capacidade de entendimento de que seria ajudado de alguma maneira. Já a mímica é uma forma de aprendizado muito usada pelos humanos e é algo que as baleias e outros cetáceos também fazem o tempo todo. E ainda temos exemplos destes animais enfrentando situações novas, adaptando-se e reagindo rapidamente a elas. Com tudo isso estamos formando um mosaico, um conjunto de sinais de inteligência.

Diante disso, Siciliano considera cada vez mais difícil admitir a captura de orcas e golfinhos e sua utilização em shows.

– É uma questão ética: temos o direito de tirar um indivíduo de seu ambiente selvagem, com uma estrutura social e hierárquica, para expô-lo em um trabalho de circo? – diz. – Vejo isso como uma certa forma de escravidão, em que estes animais ficam confinados em um espaço reduzido, que nem de longe se compara ao natural, e são submetidos a comportamentos repetitivos.

Segundo Siciliano, isso gera um grande estresse psicológico nas orcas e golfinhos, o que explicaria os ataques a treinadores e tratadores mesmo após anos de convívio, como foi o caso de Tillikum e Dawn.

– É um dia de fúria. Todo mundo tem o seu e os animais também, fruto da frustração permanente de ficar rodando no ambiente limitado do aquário e cumprindo sempre a mesma rotina dos espetáculos – avalia.