Predador Ameaçado

13/01/2014 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:00am

Imagine se, de repente, seu território é invadido, sua casa é roubada e você passa a ser perseguido. Não há fuga, é preciso lutar para sobreviver no novo ambiente hostil. A trajetória das onças no Brasil é assim. O homem ocupou seu espaço e sai à sua caça sempre que seus rebanhos domésticos são atacados. Em um trabalho longo e minucioso, pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) chegaram à conclusão de que as onças-pintadas (Panthera onca) estão em declínio na Mata Atlântica. O estudo, que se iniciou na década de 1990, mas teve os trabalhos intensificados a partir dos anos 2000, contou com informações de diferentes grupos de apoio ao longo dos anos, com cerca de 30 pesquisadores envolvidos.

Atualmente, o felino está na categoria "criticamente em perigo" de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). A costa brasileira, alguns trechos da Argentina e do Paraguai integram a Mata Atlântica, que pode se tornar o primeiro bioma tropical a perder seu maior predador do topo da cadeia. A espécie ajuda no controle de herbívoros e carnívoros de médio e pequeno porte, como raposas e guaxinins. A sua extinção pode desequilibrar o funcionamento do ecossistema da mata.

Ronaldo Morato, 47 anos, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos e Carnívoros, conta que a estimativa foi feita com o método marcação e recaptura. "A onça tem um padrão individual de pinta, sendo posssível identificar cada animal com a ajuda de uma câmera fotográfica", diz. Foi realizada ainda a análise genética, que mostra a estrutura da população e suas características. Com a ajuda de um software, por meio de modelos matemáticos, chegou-se à população estimada.

Pouco espaço

Na região pesquisada, que vai do Espírito Santo até o interior da Argentina, há 250 animais. "A onça-pintada está ocupando metade da área que ela teria para ocupar. Portanto, deveria haver o dobro de indivíduos", acrescenta Morato. Segundo o pesquisador, o principal motivo do declínio do número de animais é a perda de seu ambiente natural. "Mas a onça também sofre com a caça, sobretudo em áreas com rebanhos domésticos, como no Nordeste, onde não há mais relato de sua presença", ressalta.

Segundo ele, para reverter essa condição, de imediato, só mesmo com a redução da perda de hábitat e da caça. A onça-pintada precisa de uma boa base de presas e tem relação forte com a presença de água e de cobertura vegetal. "Ela se esconde na floresta, diferentemente de outras espécies, que usam uma área mais aberta. Seu consumo de alimento é alto e ela usa grandes áreas, cerca de 50km²", conta o coordenador. A longo prazo, há projetos para levar indivíduos de uma área para outra e estudos de inseminação artificial.

 

 

Três tipos de ave

No Brasil existem três tipos de araras-azuis, todas ameaçadas de extinção: a ararinha-azul, a arara-azul-de-lear (Nordeste da Bahia) e a arara-azul-grande (Pantanal, cerrado e Amazônia). A ararinha-azul foi extinta da natureza em 2000. Atualmente, ela só é encontrada em cativeiro. Se comparada com a arara-azul-de-lear, a ararinha é menor, tem uma cor mais clara e não tem penas amarelas ao redor do olho e na bochecha.

Espécies ameaçadas

Pela categorização internacional, segundo a União Internacional para a Conservação da Natueza (IUCN), são três formas de se classificar espécies da flora e fauna:

» Vulnerável

» Em perigo

» Criticamente em perigo

Menos araras

Além do alerta de risco de extinção da onça-pintada na Mata Atlântica, outro dado preocupa ambientalistas brasileiros. O novo recenseamento da arara-azul-de-lear, na região do Raso da Catarina, em Jeremoabo (BA), a 400km de Salvador, trouxe números desanimadores: só 20 novos animais nasceram em 2013, totalizando 1.280 Aves. A contagem foi realizada pela equipe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave) com voluntários do ICMBio, durante uma expedição entre 8 e 10 de novembro.

A equipe, de 22 pessoas, foi selecionada e treinada em maio. "São feitas duas contagens de teste antes da oficial", esclarece Antonio Eduardo Araujo Barbosa, 31 anos, analista ambiental do Cemave/ICMBio e coordenador do Plano de Ação da Arara-azul-de-lear. Ele conta que a equipe se dividiu em dois grupos e se posicionou em pontos estratégicos. "Acompanhamos essa espécie há 10 anos e temos mapeados os locais onde ela dorme e se reproduz. Fazemos a contagem no momento que elas saem para a área de alimentação. Elas são contadas na saída e na chegada", explica.

Há dois dormitórios da espécie no Raso da Catarina: Toca Velha, na Estação biológica de Canudos, e Serra Branca, na Estação Ecológica Raso da Catarina. "Usamos rádios de comunicação para evitar a duplicidade de contagem", acrescenta o analista. O grupo foi a campo mensalmente, de junho a novembro, permanecendo três dias acampado a cada expedição. O trabalho de contagem leva no máximo uma hora em cada turno (manhã e fim de tarde), mas é preciso madrugar, porque, ao primeiro sinal de luz, as Aves saem dos seus ninhos. Do mesmo modo, a equipe fica no local até perder a condição de luminosidade.

Desmatamento

Barbosa explica que vários fatores são responsáveis pelo discreto aumento no número de araras no Raso da Catarina. Os pesquisadores acreditam que a espécie é monogâmica – os psitacídeos, em geral, são. Além disso, normalmente, cada ave só tem dois filhotes e se reproduz apenas uma vez ao ano. A reprodução da arara-azul-de-lear ocorre de dezembro a julho (as mais retardatárias). Em abril, os filhotes já estão saindo do ninho.

 "Em 2012, houve uma seca grande na região e afetou a reprodução das Aves em 2013. A seca ainda persiste", ressalva o pesquisador. A arara se alimenta especialmente do licuri, fruto da palmeira, mas também da flor do mandacaru, da baraúna e do umbu. Segundo o analista ambiental, o sucesso reprodutivo do animal está associado à condição de encontrar alimentação na natureza. A espécie só põe os ovos de que terá condição de cuidar. Atualmente, a arara é categorizada como "em perigo". Barbosa conta que levou 10 anos para a espécie subir a essa categoria.

Muitos projetos são responsáveis por esse avanço. Há o Programa de Ressarcimento de Milho, por exemplo. Com o crescimento da população e a expansão da agricultura, as pessoas estão desmatando mais e falta alimento para as Aves. Com isso, a espécie se aproxima do convívio com os humanos e acaba atacando as lavouras de milho. "Isso gera conflito e os pequenos produtores abatem as Aves. Como medida emergencial, pensou-se em um programa de ressarcimento das perdas. O problema é que o projeto, que começou em 2005, não consegue contemplar todos os agricultores", ressalva.

Há ainda o trabalho de geração de renda por meio do artesanato nas comunidades que moram em regiões onde há o licuri. "A ideia é usar só a madeira de árvores mortas para incrementar a renda familiar. Dessa forma, não competem com a arara", explica. Além disso, é desenvolvido um forte trabalho de educação ambiental nessas localidades. "A comunidade hoje se apropriou da espécie. A arara-azul-de-lear é símbolo da região", conta.