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02/10/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:10am

Devido à constante presença de pessoas no parque onde vivem, tigres-de-bengala do Nepal mudam hábitos e passam a caçar e acasalar à noite. Para especialistas, a observação do fenômeno pode ajudar na elaboração de programas de preservação de animais selvagens

Em um planeta habitado por mais de 7 bilhões de pessoas, está cada vez mais difícil encontrar espaço para Animais Selvagens. Mesmo com a criação de santuários e reservas naturais, o problema não foi resolvido – nas fronteiras entre os parques e os povoados, é quase impossível evitar o encontro entre seres humanos e bichos, algo que pode ser ruim para ambos. Uma experiência no Parque Nacional de Chitwan, no Nepal, contudo, mostrou que essa convivência pode ser alcançada.

A área de 932km² abriga diversas espécies, incluindo cerca de 121 exemplares de tigres-de-bengala. Eles não estão sozinhos nesse paraíso, emoldurado pela Cordilheira do Himalaia. Além das cercas, existem povoados, com uma densidade de até 255 habitantes por quilômetro quadrado, 20% a mais do que o observado há uma década. A menos de 10km, fica a cidade de Bharatpur, onde vivem cerca de 100 mil pessoas.

Além dos moradores vizinhos, há uma movimentada estrada próxima ao parque e, mesmo dentro da reserva, o fluxo de seres humanos é intenso. Em um país pobre e com mais da metade da população analfabeta, pessoas entram no hábitat dos bichos para coletar produtos naturais, como forragem para o gado e madeira para combustível. O turismo, uma das principais fontes de renda nepalesa, leva dezenas de pessoas todos os dias para dentro do parque. Os tigres também são incomodados por seus protetores, guardas que fazem a ronda diária para reprimir a caça e a extração madeireira ilegais.

Com tanta invasão de privacidade, os felinos encontraram uma forma de não ficarem tão expostos. Eles se tornaram animais noturnos, caçando e acasalando longe da luz do dia. Quem descobriu isso foram pesquisadores do Centro para Sistemas de Integração e Sustentabilidade (CSIS) da Universidade do Estado de Michigan. Jianguo Liu, diretor do centro, e seu aluno de pós-doutorado Neil Carter viajaram até o Nepal para estudar a relação entre os animais e as pessoas. Carter montou câmeras para detectar o movimento dos tigres, das presas e dos seres humanos, tanto dentro do parque quanto em áreas contíguas.

As imagens mostraram que os animais circulam pelos mesmos lugares que turistas e moradores locais. Porém, no horário inverso. "A sustentabilidade pode ser alcançada se tivermos uma boa compreensão das complicadas conexões entre os dois mundos. Nós descobrimos algo muito interessante que está acontecendo no Nepal, com uma perspectiva promissora de prosperidade tanto para humanos quanto para a natureza", acredita Jianguou Liu, autor principal de um estudo sobre o trabalho, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas).

Ainda não se sabe qual é o impacto da mudança de hábitos na vida dos animais. "Apesar de termos observado essa inversão de turno, não sabemos como isso vai afetar os tigres. Por exemplo, o sucesso da caça pode ser menor à noite do que de dia. É por isso que precisamos urgentemente de pesquisas futuras que examinem qualquer impacto em potencial sobre os tigres e o meio ambiente, para combater e mitigar impatcos negativos", destaca Neil Carter.

Menos mortes

Por enquanto, porém, a estratégia de coexistência garantiu uma estabilização no número de tigres, mesmo com o aumento de humanos na região. O fenômeno vai contra uma triste tendência mundial. Desde o início do século 20, a população desses grandes felinos selvagens caiu 97% em todo o mundo e, hoje, estima-se que existam apenas 3 mil espécimes. Os que sobraram são confinados em parques e reservas e precisam buscar estratégias criativas para sobreviver, como a encontrada pelos tigres-de-bengala de Chitwan.

Carter lembra que os esforços de conservação não podem levar em conta apenas as condições do hábitat, mas precisam se concentrar também na relação entre os animais e os seres humanos. Em 1973, quando o parque foi criado, as comunidades se ressentiram porque a extração dos recursos naturais foi reduzida em benefício dos animais. Foram implementados programas para que a população se sentisse parte dos esforços de conservação, mas, de acordo com Carter, só políticas não são suficientes.

Há alguns anos, antes de começar a monitorar os passos dos felinos, ele entrevistou 499 pessoas que vivem perto de Chitwan para saber como elas se sentiam em relação a esses animais. O biólogo identificou ali uma oportunidade de educação contínua. "Pode-se demonstrar às pessoas que os tigres regulam as populações de veados e javalis, que causam prejuízo econômico real para as culturas de grãos. Se eles não enxergarem essa conexão, então isso é uma oportunidade perdida."