Malária
27/01/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:00am
asta uma simples picada de mosquito Anopheles infectado pelo protozoário Plasmodium para que surjam os sintomas: febre, dor de cabeça, náusea, hemorragia e cansaço extremo. É a malária, doença que tira a vida de aproximadamente 800 mil pessoas todos os anos e, no Brasil, ocorre principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste. Felizmente, cientistas estão cada vez mais empenhados em encontrar mecanismos para enfrentar a doença. A iniciativa mais recente, elaborada no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, tem a participação da pesquisadora brasileira Giselle de Almeida Oliveira.
Destaque na edição de hoje da revista especializada Science, o estudo, em vez de focar a proteção dos humanos, busca fortalecer o sistema imunológico do mosquito vetor, para impedir que ele seja infectado e, consequentemente, transmita o mal. A equipe de pesquisadores, liderada pela especialista em imunidade de mosquitos e vetores Carolina Barillas Mury, identificou duas enzimas, a heme peroxidase (HPX2) e a NADPH oxidase 5 (NOX5), responsáveis por tornar o Plasmodium visível ao organismo do Anopheles, de modo que o sistema de defesa do animal, chamado complemento, seja ativado e mate o invasor.
“O parasita entra no estágio embrionário no corpo do mosquito e tem que atravessar a parede do intestino do inseto para completar seu desenvolvimento e ser passado para outros seres vivos. Nós desvendamos que, quando o protozoário invade essas células, ele ativa uma resposta química que não o mata imediatamente, mas o ‘marca’ para ser destruído”, descreve Carolina, em entrevista ao Correio. Segundo a pesquisadora guatemalteca, o estudo indica que a sobrevivência do invasor e a transmissão da doença dependem do quão rápido as células afetadas conseguem induzir a resposta dessas enzimas e da velocidade que o parasita consegue atravessar a estrutura.
“Já sabíamos que as unidades invadidas no intestino do Anopheles aumentavam os níveis da enzima sintase do óxido nítrico (NOS), que é conhecida por sua importância em combater infecções em diversos organismos, inclusive no dos humanos. Essas duas outras enzimas, a HPX2 e a NOX5, trabalham juntas com a NOS para fazer a ação de nitração e destruir o parasita”, explica a líder do estudo. Por meio da análise, a equipe compreendeu que as reações dessas proteínas são a chave para que o gene TEP1, presente no sistema imunológico do mosquito, encontre o protozoário. “Quando reduzimos as reações de marcação, o complemento é ativado menos vezes, permitindo que o transmissor da doença sobreviva”, completa Carolina. Sabendo disso, é possível desenvolver mecanismos para fazer com que a resposta das enzimas seja mais eficaz em reduzir a contaminação no inseto e para desenvolver medicamentos que protejam os humanos.
O estudo analisou os mosquitos da espécie Anopheles gambiae e os parasitas Plasmodium berghei. Agora, os cientistas querem identificar os genes dos mosquitos que permitem que certos parasitas originários da África consigam entrar no organismo do inseto sem ativar o sistema complemento. “Também é necessário estabelecer sistemas experimentais para estudar a transmissão da malária no Brasil, que acontece principalmente pela picada dos mosquitos Anopheles darlingi e Anopheles aquasalis”, acrescenta a pesquisadora da Guatemala.
Avanço
A brasileira Giselle de Almeida Oliveira, pesquisadora visitante do Laboratório de Malária e Vetores do Niaid, foi responsável por executar a maior parte do trabalho experimental do estudo. Para ela, “a análise esclarece um pouco mais as estratégias do sistema imunológico do mosquito na tentativa de frear o desenvolvimento do parasita da malária”. “Essa é uma das doenças transmitidas por insetos vetores que mais afeta populações em todo o mundo, inclusive no Brasil. Ainda há muito a ser entendido sobre como o Anopheles pode matar o parasita e como usar esse conhecimento de forma a reduzir a transmissão da doença”, ressalta.
Essa pesquisa complementa o trabalho da equipe liderada por Stephanie Blandin, do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade de Estrasburgo, na França, publicado em 2009 na Science. Na análise, o grupo mostrou que o TEP1 é um componente central para a defesa do mosquito contra a malária. “Alguns mosquitos carregam uma forma muito eficiente do TEP1 que lhes permite eliminar todos os parasitas e, portanto, não transmitir a doença. No entanto, há insetos que têm uma forma diferente do gene, que acaba fazendo com que alguns protozoários não sejam identificados e mortos”, explica. “A pesquisa publicada hoje reporta que a nitração, uma modificação química das proteínas, se eleva nas células infectadas do Anopheles. Se essa reação é reduzida, os parasitas não são ‘marcados’ eficientemente pelo TEP1 e conseguem cumprir seu ciclo”, completa Stephanie.
“O ciclo de transmissão da malária pode ser bloqueado em qualquer estágio. A maioria das estratégias contra a doença alveja a fase sintomática em humanos, com o desenvolvimento de remédios; a prevenção da transmissão, ao eliminar o mosquito ou instalar mosquiteiras tratadas com inseticidas; ou o bloqueio do desenvolvimento do parasita em humanos após a infecção por meio do uso de vacinas”, esmiúça Stephanie. Ainda assim, ela alerta para a necessidade de novas estratégias para erradicar a doença. Segundo a cientista, entender melhor como o inseto combate o Plasmodium fornece novas ferramentas para impedir que ele se desenvolva no vetor.
“Os resultados aumentam nosso conhecimento sobre o que ocorre com o parasita dentro do mosquito e como esse mecanismo pode ser usado na tentativa de bloqueá-lo dentro do vetor. Com isso, outras formas de controle da enfermidade podem ser propostas”, elogia o pesquisador Luciano Andrade Moreira, do Laboratório de Malária do Centro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais (CPqRR/Fiocruz).
Outras doenças
As enzimas NOS, HPX2 e NOX5 estão presentes nas células que revestem os vasos sanguíneos em humanos. O aumento da atividade do NOX5 está associado à aterosclerose, doença inflamatória na qual ocorre o acúmulo de placas gordurosas nas paredes das artérias. Segundo a pesquisadora Carolina Barillas Mury, entender a função dessa enzima específica pode levar à criação de remédios que previnam a aterosclerose e consequentes doenças cardíacas.