Aranha

16/01/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:01am

Imagine uma fibra natural que é simultaneamente mais forte que o aço, mais flexível que o nylon, extremamente leve e, ainda por cima, biodegradável e biocompatível com o organismo humano. Há décadas os cientistas sabem onde encontrar esse material “mágico”: nos fios de seda das teias de aranha. E há décadas eles tentam – com técnicas cada vez mais sofisticadas – reproduzir em laboratório o que esses insetos fazem há centenas de milhões de anos na natureza.

A seda de aranha é uma espécie de “santo graal” da ciência de materiais, com uma combinação única de características, cobiçada por pesquisadores de áreas tão distintas quanto biomedicina e engenharia espacial. “É um material totalmente diferente de qualquer coisa que o ser humano já produziu”, maravilha-se o cientista Elibio Rech, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecno­­logia, que tenta mimetizar a substância no Brasil. “Nenhum outro material combina flexibilidade e resistência dessa forma.”
As fibras usadas pelas aranhas para tecer suas teias são, essencialmente, fios de seda, semelhantes aos produzidos pelo bicho-da-seda para fabricar seus casulos (matéria-prima para produção de tecidos finos na indústria têxtil). Só que com aplicações que vão muito além de vestidos e camisolas. Fala-se em suturas médicas, implantes, curativos, coletes à prova de balas, linhas de pesca biodegradáveis e peças de naves espaciais, superleves e resistentes.

Larga escala

Obter amostras para pesquisa é fácil. Aranhas não faltam e a seda pode ser extraída sem maiores dificuldades. O problema é que elas são animais extremamente territoriais, o que impede que sejam “cultivadas” em colônias para produção em grande escala, como se faz facilmente com as lagartas do bicho-da-seda.

A solução foi apelar para a engenharia genética, terceirizando o serviço de produção da seda para outras espécies mais “domesticáveis”. Num dos estudos mais recentes, publicado no início do ano na revista PNAS, pesquisadores americanos e chineses relatam a produção de bichos-da-seda transgênicos, com genes de aranha, capazes de produzir sedas com propriedades semelhantes às dos aracnídeos.

Não é a primeira vez que se colocam genes de aranhas em bichos-da-seda, mas é a primeira vez que as proteínas codificadas por esses genes são efetivamente incorporadas à estrutura molecular da seda, segundo o autor Donald Jarvis, do De­­partamento de Biologia Mole­­cular da Universidade de Wyo­­ming.

O resultado foi uma fibra híbrida, formada pelas proteínas naturais de seda da lagarta, misturadas a uma “pitada” de proteínas de origem aracnídea. A taxa de incorporação das proteínas transgênicas foi baixa – não mais que 5% –, mas suficiente para alterar as propriedades das fibras de forma significativa, segundo Jarvis. Nos melhores casos, a resistência da seda híbrida chegou a ser quatro vezes maior que a da seda natural de aranha. A elasticidade, por outro lado, deixou a desejar.

“Ainda não temos todas as propriedades que gostaríamos, mas os resultados são surpreendentes”, disse Jarvis à reportagem. O desafio maior, segundo ele, é tentar “nocautear” (desligar, retirar ou silenciar) os genes nativos que controlam a produção de seda dentro do bicho-da-seda e substituí-los integralmente pelos genes de aranhas, de modo que a seda produzida pela lagarta seja 100% de origem aracnídea. Como se uma vaca fosse geneticamente modificada para produzir leite de cabra. “Tecnicamente, é possível”, diz Jarvis.

Genes da espécie podem ser clonados

Na linguagem técnica, a seda é um “biopolímero” – uma sequência repetitiva de unidades moleculares interconectadas, formando uma estrutura estável. As unidades básicas, neste caso, são proteínas, e as instruções para fabricar essas proteínas estão codificadas em genes específicos das aranhas, que podem ser clonados e inseridos no DNA de outras espécies. Como um software aplicativo que pode ser rodado em computadores de diferentes marcas. O bicho-da-seda parece ser a “biofábrica” ideal para isso, pois tem a vantagem de já tecer a seda por conta própria.

Linha alternativa

Outra rota de pesquisa, porém, consiste em produzir as proteínas de aranha dentro de bactérias ou no leite de cabras transgênicas, para depois purificá-las e sintetizar a fibra mecanicamente no laboratório – mimetizando o que ocorre no organismo da aranha.

É o que faz o pesquisador Randy Lewis, parceiro de Jarvis na Universidade de Wyoming e colaborador de Rech, na Embra­­pa. Há dez anos ele trabalha com cabras transgênicas que produzem proteínas da seda de aranha no leite, além de colaborar com o projeto do bicho-da-seda. “Conseguimos tecer fibras que são dois terços tão boas quanto as fibras naturais de aranha”, sintetiza Lewis.

Desafio

Mas fazer isso sistematicamente, em escala comercial, é um desafio que ainda está longe de ser conquistado. Apesar de vários resultados promissores produzidos nos últimos anos, ninguém conseguiu colocar no mercado um produto minimamente equivalente ao das aranhas.