Espaço

03/01/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:01am

Pelas mãos dos homens, o planeta Terra tornou-se um espaço diverso e multicultural. Contudo, essas mesmas mãos nem sempre respeitam as maravilhas que a natureza criou sozinha. Assim, em 1972, quando foi criada a Convenção sobre Patrimônio Mundial, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), decidiu-se, também, incluir os Patrimônios Naturais da Humanidade. Porém, nem mesmo o reconhecimento de que parques e florestas têm valor inestimável foi capaz de aplacar a força, por vezes destruidora, da ação humana. Com isso, pelo menos 17 desses ambientes únicos encontram-se em risco de desaparecimento.

Entre os 183 patrimônios naturais da humanidade, estão regiões bastante representativas da biodiversidade aquática e terrestre, como a Grande Barreira de Corais, na Austrália, considerada a maior coleção do mundo de recifes de coral, com mais de 400 tipos; os desfiladeiros do Grand Canyon, nos Estados Unidos, esculpidos pelo Rio Colorado ao longo de mais de 2 mil anos; além da Floresta Tropical de Sumatra, na Indonésia, com seus 2,5 milhões de hectares e mais de 10,78 mil espécies de plantas, mamíferos e aves.

A conservação dessas joias da natureza, contudo, está ameaçada por fatores ambientais e antropogênicos, como alterações climáticas, exploração predatória e descaso. “Especialistas nos alertam que os recursos naturais do planeta continuam se esgotando em uma taxa alarmante”, escreveu a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, no Relatório Mundial sobre a Conservação das Florestas, divulgado em novembro passado. “Num contexto de crise ambiental, a Convenção do Patrimônio Mundial da Unesco pode ajudar a chamar a atenção para a corrida internacional de cooperação que tem a ambiciosa tarefa de preservar essas áreas naturais únicas. Gerações futuras têm o direito de desfrutar de florestas, tanto como fazemos hoje.”

Cerca de 9,2% de todos os sítios naturais correm perigo — a taxa é quase o quádruplo do índice de ameaça aos patrimônios culturais. Na lista do patrimônio natural em perigo, constam locais como a Reserva Natural Integral do Monte Nimba, entre a Costa do Marfim e a Guiné, onde há espécies únicas, a exemplo de chimpanzés que usam pedras como ferramenta. Também estão incluídas as florestas tropicais de Atsinanana. Esse conjunto de seis parques reflete a história geológica da Ilha de Madagascar, que terminou sua separação do continente africano há mais de 60 milhões de anos. Com isso, suas plantas e animais evoluíram de maneira isolada do restante do planeta. Compõe a lista, ainda, o único patrimônio natural de Belize, a Barreira de Corais , com atóis, centenas de ilhotas, manguezais e estuários. O sistema ilustra a história evolutiva de recifes e é um habitat para espécies ameaçadas, incluindo tartarugas marinhas, peixes-bois e crocodilos marinhos americanos.

Os patrimônios naturais sofrem ameaças por todos os lados. As mudanças climáticas — causadas, em grande parte, pela emissão de gases estufa — enfraquecem os ambientes e dificultam a sua recuperação; o desmatamento, a exploração predatória dos recursos e a poluição dos cursos d’água, por outro lado, atacam diretamente as joias naturais. Por fim, as fracas — por vezes, quase inexistentes — políticas públicas de proteção terminam por expor ainda mais os locais. “Sítios do Patrimônio Mundial Natural representam um compromisso com as gerações futuras, que a comunidade internacional deve apoiar”, diz Mariam Kenza Ali, diretor de Patrimônios da Humanidade do Conservação da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), órgão que assessora a Unesco na escolha e monitoramento dos Patrimônios Naturais Mundiais.

Para ela, a exploração de combustíveis fósseis e a mineração são outros problemas que afligem gravemente essas regiões de valor singular. “Exploração mineral, além de petróleo e gás, não deve ser permitida dentro Sítios do Patrimônio Mundial por causa dos danos graves e irreversíveis que poderiam ser causados ao valor universal e excepcional para o mundo nas áreas naturais mais importantes”, completou, em um comunicado.

Guerra
O caso mais grave é o da República Democrática do Congo (RDC), onde os cinco patrimônios naturais existentes estão na lista vermelha (veja quadro). Segundo a Unesco, no caso dos bens congoleses, a grande ameaça é a guerra civil que atinge o país desde 1994. Embora o governo central tenha a maior parte do país sob controle, o poder não consegue ser exercido de fato na porção leste do território, justamente onde estão a maioria das florestas. Grupos separatistas e rebeldes tribais não reconhecem a autoridade do comando central. Sem a ação do Estado, pouco a pouco, gorilas da montanha, hipopótamos e elefantes padecem, vítimas da instabilidade política do país onde vivem.

Para Aimé Nianogo, Diretor para a África Central e Ocidental da (IUCN, na sigla em inglês), “os cinco sítios do Patrimônio Mundial na RDC são de importância global e precisam de uma resposta global à sua situação crítica”. Ele acredita que apenas um forte compromisso político por parte do governo da RDC e da comunidade internacional pode salvar o local. “Corremos o risco de perder não apenas as espécies emblemáticas, mas ecossistemas e florestas inteiras, que fornecem produtos e serviços necessários para a sobrevivência de 30 milhões de pessoas na África Central”, completa.

As cinco florestas da República Democrática do Congo, assim como os outros 12 bens naturais ameaçados, podem seguir o trágico caminho do Santuário do Órix, em Omã, no Oriente Médio. Reconhecido em 1994, o sítio começou a entrar em declínio quando o governo local decidiu diminuir em 90% o tamanho do hábitat do órix-da-arábia, espécie de antílope que vive na região. Os 450 exemplares de 1996 foram reduzidos a apenas 65, dos quais apenas quatro casais tinham capacidade de se reproduzir, tornando inviável a continuidade da espécie na região.