Alimento

21/11/2011 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:04am

Um alimento percorre diferentes caminhos até chegar à mesa do consumidor. A preocupação em conhecer a sua origem cresce, acompanhada de fraudes e contaminações registradas todo o ano. Para evitar esses casos, agricultores, varejistas e governo vêm adotando medidas para garantir a segurança dos alimentos. Uma delas é a manutenção do histórico da trajetória dos itens, a tão falada rastreabilidade.

Guardar as informações de um produto em todas as suas fases exige um trabalho em conjunto dos envolvidos na troca de dados. A falha em uma dessas partes pode comprometer todo o sistema adotado. Para a rastreabilidade ser eficiente, é necessária a adesão de padrões, que, apoiados de tecnologias, permitem a identificação e localização de itens em qualquer elo da cadeia de suprimentos.

A empresa responsável em desenvolver soluções de rastreabilidade no País é a GS1 Brasil. A instituição sem fins lucrativos busca difundir o padrão GS1, adotado mundialmente. "Disseminamos o que consideramos ser uma boa prática de rastreabilidade", resume a assessora de soluções de negócios da GS1 Brasil, Flávia Costa. "A GS1 funciona como uma ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) da identificação", exemplifica.

As iniciativas voltadas ao controle de alimentos vêm crescendo por diferentes motivos. Um deles está relacionado à exigência de selos de qualidade para fazer exportações, sendo que um dos requisitos para adquirir a distinção é o de ter um sistema de monitoramento. "Para um produtor vender frutas para os Estados Unidos ou para alguns países da Europa é necessário certificações como a Global Gap ou a Tesco", diz, referindo-se às exigências internacionais de qualidade.

O governo também tem estimulado boas práticas na agropecuária. Em 2001, foi lançado o programa Produção Integrada, cujo objetivo é obter produtos agrícolas seguros. Busca ainda diminuir o emprego de inseticidas e fungicidas, reduzir o custo da produção e o uso de fertilizantes. A participação é voluntária e quem passa a seguir as orientações estabelecidas recebe o selo do programa.

Outro fato que conta a favor da adesão à rastreabilidade é que os brasileiros estão mais exigentes quanto à confiabilidade dos alimentos, e, por isso, mais interessados em saber a sua origem. "O mapeamento dos produtos é um processo em evolução que aos poucos irá promover mudanças de hábitos de consumo", prevê o presidente da GS1 Brasil, João Carlos de Oliveira.

Para que seja possível o controle de produtos é preciso, primeiramente, que eles estejam identificados. O mais conhecido é o código de barras, utilizado globalmente há mais de 40 anos. Nele podem ser armazenadas informações como data de validade, número de lote, número de série e origem do produto.

Outra maneira de obter dados, implantada mais recentemente, ocorre por meio de etiquetas inteligentes de radiofrequência, conhecidas como RFID (sigla em inglês para Radio Frequency Identification). Essa tecnologia identifica objetos por radiofrequência e é uma alternativa mais completa para o código de barras, pois é capaz de armazenar um maior número de informações. Além disso, permite o controle individual de itens, dando a cada um deles um código único de identificação global, denominado EPC (Eletronic Product Code). Com o uso da ferramenta em supermercados, por exemplo, seria possível calcular em segundos todo o valor da compra passada no caixa, sem a necessidade de tirar os produtos do carrinho, sistema esse semelhante ao usado em pedágios.

Varejistas adotam medidas de controle – Em momentos de crise, a rastreabilidade é fundamental para que o produto contaminado seja retirado rapidamente do mercado, buscando diminuir os possíveis danos causados à saúde dos consumidores. Assim, é possível evitar problemas como o que atingiu a Europa neste ano, com o surto da bactéria E.Coli.

Preocupadas em gerenciar o risco alimentar, grandes varejistas vêm investindo no controle. O Walmart é um exemplo. A empresa lançou, no ano passado, o programa Qualidade Selecionada, Origem Garantida, voltado principalmente para carnes e hortigranjeiros. O projeto permite checar de onde vem cada item ao digitar o código de barras no site. Outro sistema semelhante implantado em 2008 é o Qualidade desde a Origem, do Pão de Açúcar.

A iniciativa do grupo supermercadista foi desenvolvida pela PariPassu, empresa especializada em tecnologia para o agronegócio. De acordo com o diretor de tecnologia, Andre Donadel, a lógica do sistema da companhia é a de garantir a segurança alimentar e aperfeiçoar a gestão de abastecimento. "Para o rastreamento ser efetivo, é preciso passar por toda a cadeia e não apenas pela produção", destaca ele.

É dessa forma que ocorre o controle de produtos do Pão de Açúcar: o sistema inicia no campo, passa pelo processador, distribuidor, varejo até chegar ao consumidor. A troca de informações entre os participantes acontece pela internet. "Optamos pelo sistema da web para poder garantir o acesso aos dados em tempo real", justifica Donadel.

As informações podem ser vistas ao colocar o número do código, presente na etiqueta do item, no site da PariPassu ou da própria empresa que solicitou o rastreamento. A partir disso, é possível saber todos os processos pelos quais o produto passou, como o manejo de agrotóxicos, análises de qualidade sofrida, datas de colheita, além de mostrar até mesmo a foto de quem o produziu.

Esses mesmos dados podem ser avaliados pelo consumidor no local da compra, possibilitando a ele uma avaliação mais criteriosa do que está levando para casa. Isso porque a empresa usa na etiqueta uma tecnologia chamada QR Code. Trata-se de um código de barras bidimensional que pode ser interpretado por aparelhos celulares do tipo smarthphone. Basta que o cliente tenha câmera fotográfica e se conectar à internet para fazer a leitura e ter acesso às informações.

Além de garantir qualidade e confiabilidade do produto, a rastreabilidade tem a função de criar uma relação entre produtor e consumidor. "Quando vamos adquirir uma bolacha, escolhemos aquela preferida identificada pela sua marca, mas quando adquirimos uma fruta não sabemos quem a produziu. Com esse sistema, é possível caracterizar o produtor e fidelizar clientes a ele", exemplifica Donadel.

Com isso, o monitoramento acaba diferenciando os produtores como se estabelecesse a cada um deles uma marca. Contribui ainda para evitar a concorrência entre pessoas que seguem boas práticas agrícolas com quem não tem o devido controle e os alimentos cultivados. O maior beneficiado pela transparência proporcionada pelo sistema acaba sendo o consumidor.

Identificação por radiofrequência começa a ser usada – Problemas relacionados à carne afetaram fortemente os criadores nos últimos anos, como nos casos do mal da vaca louca na Europa, surtos de febre aftosa, falsificações de selos de qualidade, barreiras levantadas pela Rússia às exportações da carne brasileira. Com o mapeamento dos processos, é possível evitar e até mesmo descartar a possibilidade de novas crises.

Uma das tecnologias auxiliares na rastreabilidade de carnes que começa a ser aplicada no País é o RFID (sigla em inglês para Radio Frequency Identification). A Coss Consulting, empresa brasileira que trabalha com projetos na área de gestão e tecnologia, desenvolveu uma solução que utiliza a etiqueta inteligente para o rastreamento da movimentação da carne na cadeia de alimentos. O suporte é aplicado nas fases de comércio e de distribuição. O início do controle se dá no abatedouro, sendo capaz de monitorar suas partes, passa pelos centros de distribuição, redes de varejo, até chegar ao prato do consumidor.

Além de reunir registros durante os processos das indústrias frigoríficas e da distribuição, a etiqueta inteligente pode armazenar dados do animal no campo ao integrar sistemas como o Serviço Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos (Sisbov), programa do governo que possibilita o rastreamento de bovinos e bubalinos desde o seu nascimento até o abate. Entre as informações que podem constar no chip estão o nome do criador, local onde o animal foi abatido, se veio ou não de área de reserva florestal, inspeções de controle, carcaças, vacinas e cuidados veterinários.

Embora o monitoramento no pasto esteja bem desenvolvido no País, o mapeamento após essa fase está recém começando. Conforme o sócio-fundador da Coss Consulting, Luis Carlos Colella, o rastreamento a partir da indústria é essencial para que não haja irregularidade, especialmente no que diz respeito às carcaças. "É preciso um rígido controle em verificar se o volume de carne está de acordo com o número de carcaças para não aparecer no mercado produtos de origem desconhecida", defende ele.

Uma das contribuições dessa plataforma é que a inspeção da carne passa a não se limitar a órgãos fiscalizadores oficiais. Com ela, consumidores poderão saber, por exemplo, se o estabelecimento está habilitado a comercializar, os dados de origem da carne e se ela está apropriada para consumo. Para se favorecer dos benefícios oriundos do RFID é preciso investir. No caso da carne, o valor varia de acordo com o volume a ser aplicado no rebanho ou nas peças produzidas industrialmente. Os elevados custos de antigamente começam a baixar com a maior utilização da ferramenta. Os ganhos, diz Colella, são compensadores. "O ganho em um produto controlado sobre um produto não controlado é de 7 a 10% no custo final. Em um frigorífico que fatura milhões é um lucro significativo", avalia ele.

Investimentos ajudam a qualificar o produto em todos os processos da cadeia – Cerca de R$ 50 mil foram direcionados para a rastreabilidade dos produtos da Grano Alimentos desde que foi instalado o sistema há dois anos. A empresa de Serafina Corrêa, localizada na Serra gaúcha, atua no setor de alimentos supercongelados e trabalha, atualmente, com 150 fornecedores, que tiveram que se adaptar às normas do programa. Agora, os produtores preenchem fichas respondendo se houve a aplicação de produtos no alimento, qual tipo de adubo usado, se houve ocorrência de pragas, qual água usada para irrigação, entre outras questões. Essas informações são colocadas em um sistema, onde é gerado um caderno de campo em que constará todo o histórico do produto. Além disso, a empresa possui uma equipe de técnicos agrícolas que orientam os produtores desde o transplante da muda até a colheita.

Quando o alimento chega a Grano, são registradas as características do produto na hora do recebimento para depois ser processado e etiquetado com o nome do produtor e seu número de lote. Com o item identificado, o consumidor pode saber, no site da empresa, a origem do item com a foto da propriedade de onde saiu e de quem o produziu, além do trajeto percorrido por ele.

Para a gerente de qualidade da Grano, Marina Deitos, além do controle sobre os produtos proporcionado pela rastreabilidade, o sistema oferece uma melhor avaliação sobre os fornecedores. "É uma forma de saber se os produtores estão seguindo nossas orientações para que o alimento chegue à empresa com boa qualidade", afirma ela.

Adair Rizzardo, produtor de Caxias do Sul, fornece pêssego ao Pão de Açúcar há nove anos. Assim como os demais fornecedores do grupo, passou por uma reeducação do modo de produção para se adequar ao programa, implantado em 2008. O agricultor é sócio-administrador do Frutti Dítalia Frutas Selecionadas, grupo de 20 famílias que produz pêssego. Todos recebem assistência de agrônomos, desde a poda, manejo a cuidados com defensivos. Informações como o dia em que a fruta foi colhida, data de quando foi embalada e dados de quem a produziu são armazenadas na etiqueta do produto para dar transparência sobre o histórico do produto aos consumidores.

A economia se dá na diminuição da compra de defensivos, que antes eram aplicados sem o devido controle. Conforme Rizzardo, o sistema refletiu até mesmo nas vendas, que hoje ficam em torno de um milhão de quilos por safra. O investimento para obter tais ganhos, segundo ele, passa de R$ 200 mil.