Avícola

05/10/2011 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:06am

Uma técnica desenvolvida em 1998 pelos cientistas norte-americanos Andrew Z. Fire e Craig C. Mello para controlar a expressão de genes, testada por uma pesquisadora brasileira na avicultura, pode auxiliar no controle de um dos principais vírus causadores de doenças respiratórias virais, que representam hoje as maiores fontes de prejuízos ao setor avícola.

Denominada interferência por RNA, a técnica, que rendeu o prêmio Nobel de Medicina de 2006 a Fire e Mello, possibilitou o estudo das funções de genes específicos e pode ajudar a desenvolver tratamentos para uma série de doenças genéticas.

A dupla percebeu que, ao introduzir nos órgãos reprodutivos do verme Caenorhabditis elegans moléculas de RNA correspondente a uma determinada proteína muscular do artrópode, seus descendentes se contorciam de maneira peculiar. E esse mesmo movimento era observado em vermes modificados geneticamente para não ter o gene que sintetiza a proteína.

Por meio desse experimento, os cientistas concluíram que as moléculas de RNA eram capazes de inativar o gene do verme, inibindo a produção da proteína responsável pela produção de um músculo dele, sem alterar diretamente seu DNA.

Entre 2004 a 2007, durante seu doutorado, realizado no Instituto de Biologia (IB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com Bolsa da Fapesp, a pesquisadora Helena Lage Ferreira decidiu verificar se a técnica também era capaz de inibir a replicação do metapneumovírus aviário (AMPV) – o agente primário da rinotraqueíte de perus e associado à síndrome da cabeça inchada em frangos e galinhas, que é uma doença altamente contagiosa.

Introduzindo moléculas de RNA em regiões alvo do genoma do AMPV nas células de aves infectadas, a pesquisadora observou que a técnica também foi capaz de inibir em quase 100% a replicação do vírus.

"Até então essa técnica tinha sido aplicada para inibir apenas vírus humanos, e depois desse trabalho, surgiram vários outros aplicando a mesma tecnologia para impedir a replicação de vírus aviários", disse Lage durante a conferência que proferiu durante o Simpósio Científico sobre Defesa Sanitária Animal e Vegetal, promovido em setembro pela Fapesp e pela Fundação Bunge.

A pesquisadora foi contemplada com o Prêmio Fundação Bunge 2011, no tema "Defesa Sanitária Animal e Vegetal", na categoria Juventude (direcionada a pesquisadores com até 35 anos de idade), por suas pesquisas sobre doenças respiratórias aviárias – clique aqui para mais informações.

Apesar dos bons resultados obtidos com a utilização da técnica na avicultura, ela ainda não está sendo usada no setor devido ao seu alto custo. Mas, em contrapartida, está sendo estudada para inibir a replicação do metapneumovírus humano, que é do mesmo gênero do aviário.

"Essas moléculas de RNA ainda não estão sendo comercializadas, porque representam uma tecnologia nova. Mas já estão em fase experimental e em breve deverão chegar às farmácias para o tratamento de doenças respiratórias em humanos", disse Lage.

TROPISMO VIRAL

Segundo a cientista, as doenças respiratórias virais representam hoje alguns dos principais problemas para a avicultura brasileira, que ocupa o terceiro lugar na produção mundial.

Entre os principais vírus causadores dessas doenças são o da laringotraqueíte infecciosa, o metapneumovírus aviário, o vírus da bronquite infecciosa, a influenza aviária e da doença de Newcastle, que representam as maiores fontes de prejuízos ao setor.

Encontrados em aves silvestres (exceto o vírus da laringotraqueíte infecciosa), as quais normalmente não apresentam os problemas respiratórios causados por eles, esses vírus são propagados pelas aves comerciais e podem exterminar um plantel.

Para combater esses vírus, atualmente os criadores de galinhas e perus utilizam vacinas de origem europeia ou norte-americana. Mas, de acordo com a pesquisadora, é preciso verificar se essas vacinas realmente combatem os vírus de campo "brasileiros".

"É preciso estudar os limites dos programas de vacinação contra vírus de doenças respiratórias aviárias no Brasil, porque o tropismo viral — propensão que um vírus tem em infectar um determinado tipo de célula ou tecido — pode não ser o mesmo dos vírus combatidos pelas vacinas importadas de empresas multinacionais", disse.

Além disso, de acordo com Lage, é preciso verificar a eficácia dessas vacinas, que devem ser capazes de inibir tanto a infecção como a excreção viral, para evitar a contaminação dos ambientes de criação, e tentar estabelecer uma correlação da proteção com a resposta sorológica para certificar se as aves estão sendo bem vacinadas.