Mapeamento

20/07/2011 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:09am

Afinal, o homem conhece mais estrelas no céu do que espécies descritas na Terra. A audaciosa tarefa, porém, foi abraçada nos últimos seis anos por uma rede internacional de pesquisadores cujo objetivo, nada modesto, é contabilizar e descrever todos os seres vivos do planeta — estima-se que apenas 10% das espécies são conhecidas. A forma como isso é feito parece coisa de cinema: um tipo de código de barras identifica cada ser de acordo com seu grupo, criando uma biblioteca genética digital possível de ser acessada por qualquer pessoa no mundo pela internet (www.boldsystems.org). O Brasil, detentor de uma das maiores biodiversidades do planeta, entrou na empreitada em dezembro do ano passado, com a Índia e a China.

Aves em exitnção, como a Maria Corruira, no Amapá, e espécies ainda desconhecidas serão catalogadas
O Projeto Internacional Barcode of Life (código de barras da vida — iBol, na sigla em inglês) foi iniciado em 2005 com o objetivo de fornecer um sistema de bioindetificação global. O trabalho é relativamente simples e bastante engenhoso. Em vez de sequenciar o genoma completo de cada animal, planta, fungo ou alga, os pesquisadores decifram as letras de um único gene (no caso de animais e plantas são dois ou três) compartilhado pelas diferentes espécies. Desse modo, é possível compará-las e identificar quando se trata de alguma descoberta.

As sequências são enviadas para um banco de dados alimentado por pesquisadores de todo o mundo. Atualizado diariamente, o arquivo tinha mais de 1,7 milhão de registros até abril passado. “De fato, nós descrevemos somente cerca de 1,7 milhão de espécies ao longo dos últimos 250 anos e nem sequer sabemos a ordem de grandeza de quantas espécies existem no planeta. As estimativas variam de 5 milhões a 100 milhões”, diz o pesquisador canadense Robert Hanner, um dos gerentes da iniciativa mundial.

A quantidade de registros no iBol, porém, não significa o número de espécies conhecidas, pois muitas sequências são repetidas e servem para apontar as diferentes áreas de ocorrência de um animal ou planta. As comparações mostram também se uma espécie acaba de ser descoberta. Segundo Hanner, isso resolve erros de identificação, como casos em que dois animais são classificados como sendo o mesmo. O trabalho é feito por pesquisadores especializados em cada grupo de ser vivo e taxonomistas.

Participação nacional
Para acompanhar a empreitada, o Brasil criou a Rede de Pesquisa de Identificação Molecular da Biodiversidade Brasileira (BR-BOL), coordenada pelo biólogo Cláudio Oliveira, do Instituto de Biotecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

O grupo nacional tem como meta catalogar em três anos 120 mil exemplares de 24 mil espécies. A tarefa está repartida entre 10 grupos, compostos por especialistas de diversas instituições. “Esperamos chegar a cerca de 10% do que se imagina haver de biodiversidade no Brasil”, conta Oliveira.

A expectativa do coordenador é baseada na identificação básica (coleta e identificação morfológica) que vem sendo feita há décadas pelas instituições brasileiras.

“Temos resultados de diversos grupos que antecederam à rede e que, hoje, fazem parte dela. Vamos selecionar tudo que é do Brasil e que está no banco mundial para ter uma ideia do que já foi identificado. A partir daí, vamos acrescentar novas informações”, explica.

O pesquisador Paul Herbert, inventor do sistema Barcode, enxerga o Brasil como a menina dos olhos da rede internacional.

“Acredita-se que o país abrigue mais espécies de animais e plantas do que qualquer outra nação, e muitas dessas espécies, como o mico-leão-de-cara-preta e o mico-leão-dourado, só existem no Brasil”, afirma ao Correio. “Além disso, o país tem uma forte capacidade científica nos campos que são centrais para o iBOL (taxonomia, informática e genômica)”, elogia.

Ainda segundo Herbert, o código de barras da vida terá aplicações em todas as áreas da ciência.

Será útil, por exemplo, no diagnóstico rápido de espécies que atacam culturas agrícolas ou insetos transmissores de doenças. Também fornecerá informações para programas de conservação e gestão dos recursos naturais. “E dará uma grande ajuda a projetos de bioprospecção e à pesquisa científica de base”, aposta o canadense.

Cláudio Oliveira ressalta que o Brasil também tem muito a ganhar, principalmente na conservação de sua biodiversidade. “Acredito que algumas espécies já desapareceram sem que soubéssemos de sua existência”, lamenta o biólogo.

Nesse sentido, o projeto desempenha um papel central, por acelerar o registro das espécies desconhecidas e mapear a distribuição daquelas já identificadas.

O iBOL não é apenas o maior programa de estudo da biodiversidade já realizado, mas um modelo raro de colaboração científica entre pesquisadores de diferentes países. Segundo Oliveira, é a primeira vez que se envolve um número tão grande de cientistas em um estudo. “Com essa abrangência, estamos juntando esforços para gerar resultados importantes para o planeta todo”, comemora o biólogo.